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Globo estréia série e tenta popularizar a filosofia
MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Quando a Globo colocar no ar
hoje à noite o primeiro capítulo
de "Ser ou Não Ser?", quadro do
"Fantástico" que vai abordar o
pensamento filosófico, uma audiência qualificada, formada por
filósofos, estará de olho no programa. É que a proposta da série,
inicialmente com 16 capítulos de
oito minutos cada um, é considerada controversa nas universidades. Será possível aproximar a filosofia do popular, num veículo
de massa, e obter sucesso?
Para Roberto Romano, 59, professor de ética e filosofia política
na Unicamp, é um pouco complicado. "Não que o meio não tenha
condições nem o público. O problema é que a filosofia exige raciocínios longos e uma lógica dedutiva e indutiva completa. É um objeto difícil de ser exposto", afirma.
O filósofo acredita que o teatro e
o cinema, como formas de arte,
sugerem mais pensamentos que a
TV. "A televisão tem um tempo
rápido, mas depende do virtuosismo da professora que vai apresentar o programa. A filosofia é a
pesquisa que vai levar à descoberta de coisas, ao pensamento e à
crítica", diz Romano.
O início do primeiro programa
-comandado pela psicóloga,
mestre e doutora em filosofia Viviane Mosé, 40- mostra a perplexidade diante da novidade por
meio de um imigrante que chega
a São Paulo. "A idéia é falar de filosofia com quem nunca estudou
o assunto. Não concordo que a filosofia não seja para todos. Atualmente, as pessoas querem respostas para a vida e, na ausência delas, estão voltando ao pensamento", diz a filósofa, que ministra aulas de teatro e lidera grupos de estudos no Rio de Janeiro.
O quadro terá poucas citações a
nomes e certa influência nietzschiana. Sua continuidade estará
no site do programa. "Lá, o espectador aprofunda as questões",
afirma Mosé, autora de "Nietzsche e a Grande Política da Linguagem" (ed. Civilização Brasileira).
Diante da possibilidade de falar
"por cima" sobre filosofia, a resistência ao programa cresce. José
Arthur Giannotti, 75, professor
emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP, não acredita que o assunto
possa ser tratado na TV. "Uma
coisa é jornalismo filosófico e outra é a reflexão, que implica em
ócio, sossego e tempo. Não sou
contra, o problema é não confundir uma coisa com outra. Não haverá uma discussão filosófica de
conceitos filosóficos, apenas insinuações", aposta.
Respostas
Demanda há, e todos concordam. Mosé diz ter experiência na
popularização da linguagem ao
falar de filosofia. "Eu falo para a
dona Maria. Tenho alunos de idades diferentes, universitários e
donas-de-casa", conta. "A gente
ia começar o programa falando
da mitologia, mas achamos muito
difícil. Então, falaremos que o homem construiu mitos, mas quis
encontrar na própria natureza
um princípio de explicação. Resumimos a filosofia pré-socrática. O
homem é homem porque, além
de viver, ele se vê vivendo aquilo.
Isso é pensamento."
Para apresentar as idéias, serão
utilizados personagens da vida
real, como um escultor, um mágico, um fotógrafo, um imigrante,
um ator ou uma atriz. A série não
vai falar de política nem de religião. "Falaremos do universal e
das questões humanas."
Até aqui, a TV tem sido palco
para entrevistas e programas em
redes educativas ("Café Filosófico", da Cultura) e universitárias,
que dedicam mais tempo à discussão. A TV paga também ensaia
um flerte com a participação da filósofa gaúcha Márcia Tiburi no
"Saia Justa" (GNT) e em programas como o "GloboNews Painel".
A proposta de tentar aproximar
a linguagem da filosofia do público é ousada, mas tem entusiastas.
Tiburi é uma delas (leia texto ao
lado), também amparada pela
professora Dulce Critelli, 54, da
PUC-SP, para quem a iniciativa é
louvável. "Acho que a filosofia
tem de ser mais acessível", afirma.
O filósofo Leandro Konder, 69,
da PUC-RJ, acha que não existe
fórmula nem receita para falar de
filosofia na TV e vê positivamente
a abertura do assunto. "Os princípios filosóficos são acessíveis a todos, depende do tratamento dado
ao tema", diz.
O programa não pretende ensinar filosofia academicamente,
mas oferecer ao espectador uma
iniciação ao tema, incitando à reflexão. É o que garantem Eugenia
Moreyra, editora-executiva do
programa, e Bruno Bernardes,
editor do quadro. "É plantar uma
sementinha e esperar os resultados", diz Moreyra, empolgada
com o projeto com elogios ao editor, "pai" da idéia.
"Ser ou Não Ser?" vai ao ar aos
domingos, dentro do "Fantástico". "Não vou assistir porque estarei fazendo outras coisas", afirma Giannotti. Como em determinado ramo da filosofia, será ver para crer. "Acho que as pessoas se
surpreenderão", acredita Mosé.
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