São Paulo, domingo, 17 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Globo estréia série e tenta popularizar a filosofia

MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Quando a Globo colocar no ar hoje à noite o primeiro capítulo de "Ser ou Não Ser?", quadro do "Fantástico" que vai abordar o pensamento filosófico, uma audiência qualificada, formada por filósofos, estará de olho no programa. É que a proposta da série, inicialmente com 16 capítulos de oito minutos cada um, é considerada controversa nas universidades. Será possível aproximar a filosofia do popular, num veículo de massa, e obter sucesso?
Para Roberto Romano, 59, professor de ética e filosofia política na Unicamp, é um pouco complicado. "Não que o meio não tenha condições nem o público. O problema é que a filosofia exige raciocínios longos e uma lógica dedutiva e indutiva completa. É um objeto difícil de ser exposto", afirma.
O filósofo acredita que o teatro e o cinema, como formas de arte, sugerem mais pensamentos que a TV. "A televisão tem um tempo rápido, mas depende do virtuosismo da professora que vai apresentar o programa. A filosofia é a pesquisa que vai levar à descoberta de coisas, ao pensamento e à crítica", diz Romano.
O início do primeiro programa -comandado pela psicóloga, mestre e doutora em filosofia Viviane Mosé, 40- mostra a perplexidade diante da novidade por meio de um imigrante que chega a São Paulo. "A idéia é falar de filosofia com quem nunca estudou o assunto. Não concordo que a filosofia não seja para todos. Atualmente, as pessoas querem respostas para a vida e, na ausência delas, estão voltando ao pensamento", diz a filósofa, que ministra aulas de teatro e lidera grupos de estudos no Rio de Janeiro.
O quadro terá poucas citações a nomes e certa influência nietzschiana. Sua continuidade estará no site do programa. "Lá, o espectador aprofunda as questões", afirma Mosé, autora de "Nietzsche e a Grande Política da Linguagem" (ed. Civilização Brasileira).
Diante da possibilidade de falar "por cima" sobre filosofia, a resistência ao programa cresce. José Arthur Giannotti, 75, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, não acredita que o assunto possa ser tratado na TV. "Uma coisa é jornalismo filosófico e outra é a reflexão, que implica em ócio, sossego e tempo. Não sou contra, o problema é não confundir uma coisa com outra. Não haverá uma discussão filosófica de conceitos filosóficos, apenas insinuações", aposta.

Respostas
Demanda há, e todos concordam. Mosé diz ter experiência na popularização da linguagem ao falar de filosofia. "Eu falo para a dona Maria. Tenho alunos de idades diferentes, universitários e donas-de-casa", conta. "A gente ia começar o programa falando da mitologia, mas achamos muito difícil. Então, falaremos que o homem construiu mitos, mas quis encontrar na própria natureza um princípio de explicação. Resumimos a filosofia pré-socrática. O homem é homem porque, além de viver, ele se vê vivendo aquilo. Isso é pensamento."
Para apresentar as idéias, serão utilizados personagens da vida real, como um escultor, um mágico, um fotógrafo, um imigrante, um ator ou uma atriz. A série não vai falar de política nem de religião. "Falaremos do universal e das questões humanas."
Até aqui, a TV tem sido palco para entrevistas e programas em redes educativas ("Café Filosófico", da Cultura) e universitárias, que dedicam mais tempo à discussão. A TV paga também ensaia um flerte com a participação da filósofa gaúcha Márcia Tiburi no "Saia Justa" (GNT) e em programas como o "GloboNews Painel".
A proposta de tentar aproximar a linguagem da filosofia do público é ousada, mas tem entusiastas. Tiburi é uma delas (leia texto ao lado), também amparada pela professora Dulce Critelli, 54, da PUC-SP, para quem a iniciativa é louvável. "Acho que a filosofia tem de ser mais acessível", afirma.
O filósofo Leandro Konder, 69, da PUC-RJ, acha que não existe fórmula nem receita para falar de filosofia na TV e vê positivamente a abertura do assunto. "Os princípios filosóficos são acessíveis a todos, depende do tratamento dado ao tema", diz.
O programa não pretende ensinar filosofia academicamente, mas oferecer ao espectador uma iniciação ao tema, incitando à reflexão. É o que garantem Eugenia Moreyra, editora-executiva do programa, e Bruno Bernardes, editor do quadro. "É plantar uma sementinha e esperar os resultados", diz Moreyra, empolgada com o projeto com elogios ao editor, "pai" da idéia.
"Ser ou Não Ser?" vai ao ar aos domingos, dentro do "Fantástico". "Não vou assistir porque estarei fazendo outras coisas", afirma Giannotti. Como em determinado ramo da filosofia, será ver para crer. "Acho que as pessoas se surpreenderão", acredita Mosé.

Texto Anterior: Voz do "boa noite" gravará a Bíblia na íntegra
Próximo Texto: "É preciso saber ouvir", diz apresentadora
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.