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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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Para autor, violência, desemprego e desrespeito a direitos humanos não podem faltar em novela das oito

"Elite está um pouco mais ética", diz Braga

DA REDAÇÃO

Continuação da entrevista de Gilberto Braga sobre "Celebridade", novela das oito da TV Globo com estréia prevista para o dia 13 de outubro.
 
Folha - "Celebridade", então com o título de "Fama", estava prevista para entrar no ar em junho do ano passado. Na época, ventilou-se na Globo que houve veto da cúpula da emissora a personagens de celebridades instantâneas, criadas por "reality shows". A Globo não aceitou essa autocrítica?
Braga -
A sinopse foi feita no primeiro semestre de 2001. Eu também li em alguns jornais que a direção da emissora não queria a temática ["reality shows"], mas acho que são cogitações. Isso nunca me foi dito e não haveria motivo para que não dissessem.
A história deveria ir ao ar depois de "O Clone". Não foi porque houve uma pré-venda de "Esperança" para a Itália. Ficou acertado que iria em seguida. Na época de começar a escrever, pediram que eu mudasse o meio em que a história se passava. Porque a protagonista era uma estrela do jornalismo televisivo, não baseada em ninguém da vida real em especial. Mas a gente ia precisar de muitas cenas com essa jornalista no ar, isso criava uma certa confusão para o departamento jornalístico, e me foi pedido que modificasse a atividade da protagonista.
Isso implicava várias mudanças de trama. Para eu ter tempo de fazer essas mudanças, a solução foi realizarem "Mulheres Apaixonadas" antes. Optamos pela profissão de empresária musical para a protagonista.
Não senti qualquer problema de que a Globo não aceitasse alguma autocrítica, até porque não havia qualquer crítica à protagonista. Foi considerado que poderia ficar confuso ter uma jornalista de televisão protagonizando uma novela, e eu concordo totalmente.

Folha - Sua última novela das oito foi ao ar há nove anos. Por que ficou tanto tempo fora do horário nobre? A Globo o colocou na geladeira depois de "Força de um Desejo", que não foi um sucesso?
Braga -
De "Vale Tudo" (1988) em diante, meus contratos prevêem uma novela a cada três anos. Fiz "O Dono do Mundo" (1991), a minissérie "Anos Rebeldes" (1992), "Pátria Minha" (1994/95) e a minissérie "Labirinto" (1998). Eu fiz "Força de um Desejo" (1999) às 18h porque a direção da emissora queria um remake de "Dancin" Days" para as 18h, e eu só estava interessado em escrever o remake para as 21h.
Me ofereci para fazer uma novela das seis porque o contrário me pareceria antipático. Assim, a Globo fez outro remake de um grande sucesso de "novela das oito" às 18h, "Pecado Capital", e eu escrevi "Força de um Desejo". Que a meu ver foi bem-sucedida, eu gosto bastante da novela.
"Força" estreou com uma média de 26 pontos e nunca passou dos 28, o que é baixo para o horário. E teve bem pouca repercussão. Ninguém na emissora jamais me pediu para mudar o que quer que fosse, os "group discussions" [pesquisas com telespectadores] eram bons. Por que não chegávamos a 30 pontos antes das semanas finais eu não sei.

Folha - Detecta alguma dificuldade em lidar com o grande público?
Braga -
Eu sempre tive dificuldade em lidar, não digo com o grande público, mas com o público tão heterogêneo que assiste a uma novela. A gente quer agradar a todos. Isso sempre me pareceu a maior dificuldade na realização de novelas.

Folha - Como você vê as lésbicas de "Mulheres Apaixonadas", que não tiveram rejeição? Ficou mais fácil abordar temas polêmicos?
Braga -
Acho uma história muito interessante. Mas as lésbicas de "Vale Tudo" também não tiveram rejeição, assim como o casal gay de "A Próxima Vítima" [Sílvio de Abreu, 1995]. Em "Torre de Babel" [Sílvio de Abreu, 1998], acho que o problema foi que tínhamos duas estrelas nos papéis. Por enquanto, é mais fácil que se aceite homossexualismo com atores menos conhecidos.

Folha - A atual novela das oito é um dos maiores sucessos de audiência dos últimos tempos. A responsabilidade de manter essa audiência (ou pelo menos não perder muito) não lhe tira o sono?
Braga -
Espero que a minha novela agrade. E prefiro entrar depois de um grande sucesso. Levantar horário é mais penoso.

Folha - Você teme a rejeição de determinados personagens, como já ocorreu em outras novelas suas? Está tomando cuidados?
Braga -
Eu só me lembro de ter tido problema de rejeição na personagem de Malu Mader de "O Dono do Mundo". Muita gente considerou que o vilão (Antonio Fagundes) estava certo em seduzir a noiva virgem porque "era o seu papel de homem" e ela foi "leviana" por ter cedido.
Nós conseguimos logo conquistar alguns espectadores que chegamos a perder por umas três semanas para a novela mexicana "Carrossel" [SBT].

Folha - O Brasil ainda merece uma banana, como fez o personagem de Reginaldo Farias no final de "Vale Tudo"? O Brasil está mais ético?
Braga -
Nunca pensei nesses termos. O Brasil da era anterior a Fernando Collor [de Mello] não merecia aquela banana. O gesto foi característico de uma elite que só pensa em si. Essa elite infelizmente ainda existe, mas está com as barbas bem mais de molho.
Felizmente estamos vivendo dias em que a ética parece uma preocupação geral. Há quem considere que a discussão de ética proposta em "Vale Tudo" até contribuiu para isso.

Folha - Desde que você começou a fazer novela, quais são as principais mudanças sociais que ocorreram no país?
Braga -
Acho que a elite ficou levemente mais ética, ao menos os mais reacionários já têm na maioria das vezes consciência de que devem disfarçar um pouco. É um avanço, embora a elite ainda esteja bem longe de entender mesmo os direitos de cada cidadão.

Folha - Três elementos da realidade brasileira que não podem faltar em uma novela das oito.
Braga -
Desemprego, violência e desrespeito a direitos humanos.



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