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Análise
Quando a metáfora se torna literal
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um crítico literário
canadense, Northrop Frye, descreve a
"metáfora total" como sendo
aquela em que o recurso representativo é tão perfeito
que acaba por fundir-se ao
próprio objeto representado.
Com a metáfora total, a palavra não está para a coisa, ou
no lugar dela, mas É ela. No
caso do filme de Nuno Ramos e Eduardo Climachauska, "Iluminai os Terreiros",
trata-se de um caso ainda
mais radical, como têm sido,
aliás, os últimos trabalhos do
artista. A metáfora é tão plena que chega a não ser mais
metafórica; ela é literal. Chegamos ao caso máximo da
representação, em que quase
nada mais se representa. Iluminai os terreiros fica sendo
então: iluminai os terreiros.
O filme acontece quase
que inteiramente como o
processo, e o trabalho literal
(no sentido de esforço) de
iluminar uma circunferência
de terra. É o barulho de máquinas, a terra seca e feia, os
caminhões passando, o frio,
o cinza da madrugada, furar
a terra, espalhar pó, levantar
com muito esforço os postes
de madeira, riscar a circunferência, ligar as luzes.
Praticamente não há diálogos. Só barulho, espessura,
peso, sujeira e a luz -branca,
forte e terrivelmente artificial, em nada lembrando as
estrelas. O filme, aliás, é uma
espécie de elogio ao artifício,
à arte como máquina, ação e
trabalho. O tempo todo é como se fosse o ensaio de um
filme. O espectador, extenuado, se pergunta: "mas
quando isso vai começar?". E
não começa. O filme é isso
mesmo, sempre um ensaio; é
a dificuldade, a imensidão da
tarefa de só fazer.
Em um dado momento,
uma velha parada olha para a
câmera. Em outro, dois homens cantam e falam. Uma
voz grita: "Chega!".
São belos ou ridículos? São
as duas coisas. Tanta luz
transforma tudo em beleza e
em feiúra.
Nos trabalhos de Nuno
Ramos há mesmo pouca elegância. Nunca se acha o "minimal" tão a gosto das últimas tendências. Quase tudo
é grande, difícil, pesado e
feio. É o desafio da briga com
o mundo, com as coisas que
resistem, com os amores que
nunca dão certo, com as perguntas sem resposta.
Ao final, Eduardo Climachauska arrasta, empurra,
carrega um poste de luz através de um túnel vazio e arrasado. É um Cristo moderno
carregando sua cruz de luz
por um espaço ermo e destruído. E por quê? Provavelmente para nada.
Se a canção original, de Assis Valente, exortava o Brasil
a iluminar seus terreiros como uma chance de encontro
consigo, neste filme o terreiro se ilumina. Mas não se sabe o que se encontra.
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