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Coleções fazem escoar produção de poesia de autores brasileiros
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Atire a primeira pedra aquele
que nunca, em noite solitária,
pôs-se a escrever alguns sinceros
versos. Agora atirem os que sim,
escreveram, mas nunca tiveram
qualquer estrofe publicada em
papel, qualquer poema lido por
olhos alheios. Cuidem de dar um
tempo para que possamos sair da
frente, pois a tempestade de pedras há de ser demolidora.
Não é exagero dizer que a imensa maioria dos versos jamais despedidos por mãos brasileiras foram escritos para o mais absoluto
esquecimento, poemas povoando
gavetas nunca abertas. Sim, não é
fácil publicar poesia no Brasil. Algumas iniciativas, entretanto, têm
sido particularmente benéficas
para reverter essa realidade, como
as coleções de poesia Canto do
Bem-Te-Vi, Guizos e Ás de Colete, que têm dado espaço e mínima
visibilidade para a obra de alguns
desses autores jovens, ainda tímidos, mas já não tão solitários.
Depreenda-se da diversidade de
seus nomes também a diversidade de características que os selos
apresentam. Entre os quase 30
poetas que, juntas, as coleções
acolhem, qualquer afinidade ou
semelhança que se possa notar será, no mais das vezes, mera coincidência. Que caiba a um acadêmico de fôlego encontrar referências afins, por exemplo, entre o renomado Francisco Alvim, da Ás
de Colete, e a mineira Mônica de
Aquino, nascida mais de 40 anos
depois do primeiro e que agora
estréia com "Sístole", pela Canto
do Bem-Te-Vi.
De comum às três coleções,
contudo, a preocupação com o escoamento da produção da poesia
nacional -com o perdão do emprego do termo técnico para uma
atividade que, morto João Cabral
de Melo Neto, tão pouco se assemelha à de um engenheiro- e
com dar vida mais longa a essas
publicações que tantas vezes
adentram com rapidez mórbida o
limbo do não-lido.
"As coleções são uma boa saída
porque a livraria começa a identificar e fazer pedidos, e o público, a
reconhecer os livros. Cria-se um
hábito e se facilita a compra de
poetas desconhecidos", explica
Augusto Massi, editor da Cosacnaify, empresa que, em parceria
com a 7Letras, publica a Ás de Colete. "Cada lançamento remete
aos anteriores e, assim, os livros
não envelhecem tão rápido, não
são esquecidos dias depois da publicação", completa Jorge Viveiros de Castro, editor da 7Letras,
que também abriga a Guizos.
Para ambos, a satisfação está em
dar a ver algumas obras interessantes de poetas jovens que porventura poderão se converter em
protagonistas da cena poética
brasileira. "É uma aposta a longo
prazo, de que aquilo vai vingar, de
que vai ser reconhecido", diz
Massi, que vem apostando desde
a década de 1980, quando editava
a coleção Claro Enigma.
Castro irá novamente completar as palavras de Massi, agora de
forma mais lúdica: "Eu costumo
dizer que sou o São Cristóvão.
Que o Ronaldinho vem jogar aqui
quando está começando, mas
quando outros vêem que ele é
bom mesmo, chegam e compram". A 7Letras, justamente,
que Massi considera um dos principais alicerces da nova poesia
brasileira, vem há dez anos cumprindo a difícil tarefa de publicar
as obras iniciais de poetas desconhecidos, sempre em tiragens pequenas e distribuição limitada.
As gavetas abarrotadas agradecem, tanto a essa quanto a iniciativas como a da editora Bem-Te-Vi,
cuja coleção exige que os autores
sejam inéditos. A surpresa veio no
momento da seleção: do mar de
obras possíveis, "não foi fácil encontrar cinco poetas bons que
não tivessem livros publicados",
conta o escritor Armando Freitas
Filho, que participou do processo.
"Os bons, os que prometem,
sempre arranjam um jeito de publicar", garante Freitas. "Só que
têm de se submeter ao juízo das
editoras, que definitivamente não
é infalível, como demonstram
inúmeros erros célebres da história da literatura". Que maus poetas não se fiem nisso: "Em poesia,
não dá para enganar", completa.
Castro, que diz receber na 7Letras pedidos de publicação de três
ou quatro novos livros por dia, assina embaixo e emenda: "Se todos
os que escrevem poesia lessem
tanto quanto escrevem, seria um
mercado maravilhoso".
Em relação aos leitores, Massi e
Freitas têm bons olhos. Para ambos, trata-se de um público restrito, mas fiel e fanático. Um público
de leitores dispostos a examinar
com minúcia as livrarias, atrás
dos poucos versos que possam,
quem sabe, ocupar finalmente o
lugar dos próprios nas gavetas. E
que permitam descansar as mãos,
de pedras ou de poemas.
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