São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2005

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Coleções fazem escoar produção de poesia de autores brasileiros

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Atire a primeira pedra aquele que nunca, em noite solitária, pôs-se a escrever alguns sinceros versos. Agora atirem os que sim, escreveram, mas nunca tiveram qualquer estrofe publicada em papel, qualquer poema lido por olhos alheios. Cuidem de dar um tempo para que possamos sair da frente, pois a tempestade de pedras há de ser demolidora.
Não é exagero dizer que a imensa maioria dos versos jamais despedidos por mãos brasileiras foram escritos para o mais absoluto esquecimento, poemas povoando gavetas nunca abertas. Sim, não é fácil publicar poesia no Brasil. Algumas iniciativas, entretanto, têm sido particularmente benéficas para reverter essa realidade, como as coleções de poesia Canto do Bem-Te-Vi, Guizos e Ás de Colete, que têm dado espaço e mínima visibilidade para a obra de alguns desses autores jovens, ainda tímidos, mas já não tão solitários.
Depreenda-se da diversidade de seus nomes também a diversidade de características que os selos apresentam. Entre os quase 30 poetas que, juntas, as coleções acolhem, qualquer afinidade ou semelhança que se possa notar será, no mais das vezes, mera coincidência. Que caiba a um acadêmico de fôlego encontrar referências afins, por exemplo, entre o renomado Francisco Alvim, da Ás de Colete, e a mineira Mônica de Aquino, nascida mais de 40 anos depois do primeiro e que agora estréia com "Sístole", pela Canto do Bem-Te-Vi.
De comum às três coleções, contudo, a preocupação com o escoamento da produção da poesia nacional -com o perdão do emprego do termo técnico para uma atividade que, morto João Cabral de Melo Neto, tão pouco se assemelha à de um engenheiro- e com dar vida mais longa a essas publicações que tantas vezes adentram com rapidez mórbida o limbo do não-lido.
"As coleções são uma boa saída porque a livraria começa a identificar e fazer pedidos, e o público, a reconhecer os livros. Cria-se um hábito e se facilita a compra de poetas desconhecidos", explica Augusto Massi, editor da Cosacnaify, empresa que, em parceria com a 7Letras, publica a Ás de Colete. "Cada lançamento remete aos anteriores e, assim, os livros não envelhecem tão rápido, não são esquecidos dias depois da publicação", completa Jorge Viveiros de Castro, editor da 7Letras, que também abriga a Guizos.
Para ambos, a satisfação está em dar a ver algumas obras interessantes de poetas jovens que porventura poderão se converter em protagonistas da cena poética brasileira. "É uma aposta a longo prazo, de que aquilo vai vingar, de que vai ser reconhecido", diz Massi, que vem apostando desde a década de 1980, quando editava a coleção Claro Enigma.
Castro irá novamente completar as palavras de Massi, agora de forma mais lúdica: "Eu costumo dizer que sou o São Cristóvão. Que o Ronaldinho vem jogar aqui quando está começando, mas quando outros vêem que ele é bom mesmo, chegam e compram". A 7Letras, justamente, que Massi considera um dos principais alicerces da nova poesia brasileira, vem há dez anos cumprindo a difícil tarefa de publicar as obras iniciais de poetas desconhecidos, sempre em tiragens pequenas e distribuição limitada.
As gavetas abarrotadas agradecem, tanto a essa quanto a iniciativas como a da editora Bem-Te-Vi, cuja coleção exige que os autores sejam inéditos. A surpresa veio no momento da seleção: do mar de obras possíveis, "não foi fácil encontrar cinco poetas bons que não tivessem livros publicados", conta o escritor Armando Freitas Filho, que participou do processo.
"Os bons, os que prometem, sempre arranjam um jeito de publicar", garante Freitas. "Só que têm de se submeter ao juízo das editoras, que definitivamente não é infalível, como demonstram inúmeros erros célebres da história da literatura". Que maus poetas não se fiem nisso: "Em poesia, não dá para enganar", completa.
Castro, que diz receber na 7Letras pedidos de publicação de três ou quatro novos livros por dia, assina embaixo e emenda: "Se todos os que escrevem poesia lessem tanto quanto escrevem, seria um mercado maravilhoso".
Em relação aos leitores, Massi e Freitas têm bons olhos. Para ambos, trata-se de um público restrito, mas fiel e fanático. Um público de leitores dispostos a examinar com minúcia as livrarias, atrás dos poucos versos que possam, quem sabe, ocupar finalmente o lugar dos próprios nas gavetas. E que permitam descansar as mãos, de pedras ou de poemas.


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