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ROMANCE/"CASAS DE FAMÍLIA"
Tillinac retrata a França profunda
JOSÉ SARNEY
COLUNISTA DA FOLHA
Uma viagem desperta no
narrador a evocação de outras viagens, das viagens reais e
imaginárias da infância, e nos
conduz a uma velha casa no Corrèze, no coração da França profunda, entre o Limousin e o Périgord, "aquela França de antigamente em que os nomes próprios
terminam em "ac'", naqueles vales
em que a civilização começou a se
expressar na arte das cavernas. As
casas são o pretexto para Denis
Tillinac escrever sobre este espaço
universal que é a família.
"Casas de Família", que a editora A Girafa publica agora em bela
edição, neste ano especial para as
relações França-Brasil, é uma narrativa pessoal, em que se sucedem
acontecimentos e diálogos, lembranças e sonhos, mantendo a
ação viva, evitando o intimismo,
mas revelando o gascão, o católico, o intelectual. O núcleo familiar
que se reúne para vender umas
terras, a mãe, as duas irmãs, os
dois irmãos, mas também os
mortos, os amigos, os amores... A
viagem nos leva num percurso
que nos revela a alma e os sentimentos desta geração de franceses que deixou o "pays", a terra
natal, para viver Paris e a nova Europa.
Os encontros e desencontros
marcam as viagens. Veneza é Laetitia Renoir, que provoca Pierre
Aubrac enquanto ele pinta a rua
de uma ria perto de La Salute, que
o segue a seu apartamento, que o
conduz a um palazzo no Canal
Grande, e faz que a conduza a Pádua, Verona, Brescia, Milão, Turim, ao apartamento perto da via
Garibaldi, onde ela se apresenta
como a mulher que o libertará da
arte. Ele é o homem que não a libertará de nada: ela é louca.
Entre os Aubrac de Terilhac há
sempre alguém brigado com alguém. É da natureza desta sociedade que ainda tem suas propriedades rurais e para quem é surpresa vender bem alguma coisa,
sobretudo seus quadros. Em Terilhac há uma vida social, almoços e
jantares. Relações que atam e desatam.
Os romances que se sucedem e
substituem surgem ao acaso, insinuam-se na narrativa e na vida da
chácara Ramade. Para Pierre, a
perturbação de Laetitia. O sexo
desesperado e necessário nos lugares mais banais, no elevador, no
carro. Diante de Cláudia. O telefonema que o convoca a cidades onde ela o espera sedenta e o consome. E, em Terilhac, sempre a volta
da infância, da adolescência, Cleménce que toma conta de todos
os seus problemas. A busca da solidão que não o leva ao fundo do
desespero.
A narrativa direta e simples de
"Casas de Família" não esconde
um domínio completo do tema: o
conflito entre o homem e a sociedade, permanente em qualquer
tempo. Os retornos da memória
fluem com naturalidade, sem
contar uma história paralela, mas
estendendo o conflito para fora
do presente, lhe acrescentando
uma dimensão de permanência.
Romancista, cronista, viajante,
ensaísta, editor, Tillinac domina
todos os mistérios do livro. Da
paixão pelo esporte -o protagonista de "Casas de Família", em
seus sonhos de criança, se crê fazendo "dois gols contra os brasileiros de Pelé, Didi e outros Vavá"- às questões do catolicismo,
do estudo de Simenon ao de
D'Artagnan, de Danton à Duquesa de Chevreuse, das viagens pela
América às pela África, da música
de Elvis Presley às conversas políticas com seu amigo Jacques Chirac, Tillinac representa toda a riqueza do escritor francês, cerebral
e prosaico, provinciano e universal.
Casas de Família
Autor: Denis Tillinac
Tradução: Fernando Santos
Editora: A Girafa
Quanto: R$ 45 (328 págs.)
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