São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2005

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ROMANCE/"CASAS DE FAMÍLIA"

Tillinac retrata a França profunda

JOSÉ SARNEY
COLUNISTA DA FOLHA

Uma viagem desperta no narrador a evocação de outras viagens, das viagens reais e imaginárias da infância, e nos conduz a uma velha casa no Corrèze, no coração da França profunda, entre o Limousin e o Périgord, "aquela França de antigamente em que os nomes próprios terminam em "ac'", naqueles vales em que a civilização começou a se expressar na arte das cavernas. As casas são o pretexto para Denis Tillinac escrever sobre este espaço universal que é a família.
"Casas de Família", que a editora A Girafa publica agora em bela edição, neste ano especial para as relações França-Brasil, é uma narrativa pessoal, em que se sucedem acontecimentos e diálogos, lembranças e sonhos, mantendo a ação viva, evitando o intimismo, mas revelando o gascão, o católico, o intelectual. O núcleo familiar que se reúne para vender umas terras, a mãe, as duas irmãs, os dois irmãos, mas também os mortos, os amigos, os amores... A viagem nos leva num percurso que nos revela a alma e os sentimentos desta geração de franceses que deixou o "pays", a terra natal, para viver Paris e a nova Europa.
Os encontros e desencontros marcam as viagens. Veneza é Laetitia Renoir, que provoca Pierre Aubrac enquanto ele pinta a rua de uma ria perto de La Salute, que o segue a seu apartamento, que o conduz a um palazzo no Canal Grande, e faz que a conduza a Pádua, Verona, Brescia, Milão, Turim, ao apartamento perto da via Garibaldi, onde ela se apresenta como a mulher que o libertará da arte. Ele é o homem que não a libertará de nada: ela é louca.
Entre os Aubrac de Terilhac há sempre alguém brigado com alguém. É da natureza desta sociedade que ainda tem suas propriedades rurais e para quem é surpresa vender bem alguma coisa, sobretudo seus quadros. Em Terilhac há uma vida social, almoços e jantares. Relações que atam e desatam.
Os romances que se sucedem e substituem surgem ao acaso, insinuam-se na narrativa e na vida da chácara Ramade. Para Pierre, a perturbação de Laetitia. O sexo desesperado e necessário nos lugares mais banais, no elevador, no carro. Diante de Cláudia. O telefonema que o convoca a cidades onde ela o espera sedenta e o consome. E, em Terilhac, sempre a volta da infância, da adolescência, Cleménce que toma conta de todos os seus problemas. A busca da solidão que não o leva ao fundo do desespero.
A narrativa direta e simples de "Casas de Família" não esconde um domínio completo do tema: o conflito entre o homem e a sociedade, permanente em qualquer tempo. Os retornos da memória fluem com naturalidade, sem contar uma história paralela, mas estendendo o conflito para fora do presente, lhe acrescentando uma dimensão de permanência.
Romancista, cronista, viajante, ensaísta, editor, Tillinac domina todos os mistérios do livro. Da paixão pelo esporte -o protagonista de "Casas de Família", em seus sonhos de criança, se crê fazendo "dois gols contra os brasileiros de Pelé, Didi e outros Vavá"- às questões do catolicismo, do estudo de Simenon ao de D'Artagnan, de Danton à Duquesa de Chevreuse, das viagens pela América às pela África, da música de Elvis Presley às conversas políticas com seu amigo Jacques Chirac, Tillinac representa toda a riqueza do escritor francês, cerebral e prosaico, provinciano e universal.


Casas de Família
    
Autor: Denis Tillinac
Tradução: Fernando Santos
Editora: A Girafa
Quanto: R$ 45 (328 págs.)


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