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MÚSICA
Maestro, morto na última terça-feira, ensinou de eruditos a populares e enxergou a nova sociedade tecnológica
Koellreuter manteve sua visão de futuro por toda a vida
LUÍS NASSIF
COLUNISTA DA FOLHA
Meses atrás, foi a musicista cearense Apá Silvino quem me relatou episódios da vida do maestro
Hans-Joachim Koellreuter, morto
na terça passada e que passava
seus últimos dias em um apartamento da r. Riachuelo, perto da av.
São Luiz, em São Paulo, já sem
contato com o mundo externo.
Nunca houve, no Brasil, educador musical como Koellreuter.
Chegou por aqui fugindo da guerra, como outros intelectuais europeus de peso, como Otto Maria
Carpeaux. Trouxe novidades musicais, como o dodecafonismo e
uma visão universal não apenas da
música, mas dos povos. Sabia casar música, filosofia, antropologia,
com uma versatilidade e profundidade que o país conhecera, antes, apenas em Mário de Andrade.
Ensinou a todos, dos eruditos como Guerra Peixe, Edino Krieger,
Cláudio Santoro, aos populares,
como K-Ximbinho, Cazé, Tom Jobim. E ensinou Apá.
Nos anos 80, uma vez por semestre ia a Fortaleza ensinar música. Percebeu talento na moça e
insistiu para que ela seguisse para
São Paulo, para estudar com ele.
Apá conseguiu juntar algum dinheiro, cantou um pouco na noite
paulistana, foi atropelada pelo
bloqueio de cruzados do Collor,
voltou para Fortaleza sem terminar o curso, mas se tornou maestrina de quatro corais. Conto a história de Apá para dar uma dimensão da amplitude do projeto pedagógico de Koellreuter.
Nas aulas, ele costumava ver o
mundo como uma espiral ascendente. De tempos em tempos, volta-se ao mesmo ponto, mas em
um patamar superior ao do período anterior.
Koellreuter nasceu em 1915 em
Freiburg, na Alemanha. Sua formação inicial foi de flautista. Chegou ao Brasil em 1937. Em 1939,
criou o movimento Música Viva,
juntando compositores eruditos e
populares. Do grupo inicial participavam Koellreuter e Egídio de
Castro e Silva. Depois, entraram
Luiz Heitor, Brasílio Itiberê, Luís
Cosme e Otávio Bevilácqua.
Alguns anos depois, explodiu
uma reação nacionalista, de um
grupo de compositores liderados
por Camargo Guarnieri que, em
1950, publicou a "Carta Aberta a
Todos os Músicos e Críticos Musicais do Brasil", denunciando o
gosto da "pequena elite de rebuscados e paranóicos".
Sempre apreciei mais a música
nacionalista. O dodecafonismo estava muito além de minha sensibilidade e capacidade de entendimento. Mas o universalismo de
Koellreuter era contagiante, sua
falta de preconceitos, sua abertura
para o mundo, sua erudição enciclopédica.
Teve vários casamentos, um deles com a compositora, arranjadora e poeta Geny Marcondes -que
merece uma história à parte. Foi a
arranjadora da primeira gravação
de "A Banda", das primeiras da
Tropicália.
Em 1963, Koellreuter foi contratado pelo Instituto Goethe e visitou a Índia e o Japão. A partir daí,
notou limitações no padrão ocidental de música. Este se baseava
em padrões tradicionais, de duração, altura, intensidade e timbre
das notas. Na música hindu e japonesa encontrou improvisação,
tempo psicológico e ritmo. O intérprete se transformava em co-autor.
A partir do final dos anos 70
passou a enxergar, com notável
sabedoria, a nova sociedade tecnológica que se avizinhava, com a
democratização dos meios de
acesso à arte. Para ele, a música
seria um elemento indissociável
da economia, como um elemento
essencial para conferir ao homem
o sentido comunitário, social e
cultural de sua participação no
mundo. Previa o crescimento cada vez maior da música popular e
da música funcional, como trilhas
para teatro e filme, musicoterapia
para a medicina, jingles.
Manteve a visão de futuro por
toda a vida.
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