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"QUATRO IRMÃOS"
Singleton desliza por "irmandade" ligada à vingança
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Certos filmes têm na locação
a sua alma. É o caso de "Quatro Irmãos", filmado no auge do
inverno de Detroit. Nele, quatro
irmãos adotivos unem-se após o
assassinato da mãe. Investigando
o caso, se deparam com uma teia
em que convivem todos: da Máfia
ao poder público, incluindo políticos e polícia. Situação que os
lança em uma vingança.
Mas será uma vingança? O que
está em jogo não é justiça ou coisa
assim. Trata-se de vivenciar uma
experiência, meio primitiva, de
grupo, aliada a uma satisfação da
truculência, encontrada na caçada aos inimigos. O que buscam os
quatro é questão de prazer: passa
pelo exercício de uma cultura de
asfalto e habilidades gangsteristas, pela condução de veículos
com irresponsabilidade saborosa.
Em registro adequado, o diretor
John Singleton se move em uma
jornada de prazer estilístico, remixando seu cinema de subúrbio,
em que os planos se articulam freneticamente numa certa dialética
das ruas, com tintas sujas de policiais dos anos 70. Narrando de
forma solta e vertiginosa, como se
deslizasse no rude balé do hockey
que por vezes enquadra, sem se
preocupar em explicar tudo.
Nessa Detroit polar, catalisadora das ações, ocorre um fenômeno visual. O céu, carregado de nuvens, se iguala ao chão, um carpete de neve. Como diferenciar um e outro? A brancura e o olhar do diretor traduzem, primeiro, que,
em um meio onde a morte é banal, não há distância entre celeste
e terreno; depois que, se o Estado
-vereadores e polícia- está
enredado com o pior -a bandidagem-, o que há erguido aqui,
no piso mundano, é um "Paraíso"
às avessas. Um "Céu" sem controle divino, com instâncias de proteção pública débeis e pactos calcados no medo ou no hedonismo
-que o filme não repudia.
Ou seja, pode-se não gostar,
mas tudo o que Singleton aqui engendra em termos de imagem é
de um compromisso inegavelmente cinematográfico.
Quatro Irmãos
Four Brothers
Direção: John Singleton
Produção: EUA, 2005
Com: Mark Wahlberg, Tyrese Gibson
Onde: em cartaz nos cines Anália Franco,
Bristol, Interlagos e circuito
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