São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2000

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LITERATURA
UFMG inclui livro entre os cinco obrigatórios para o vestibular
Literatura kaxinawa relata mitos indígenas

Igor Pessoa
Índios yawanawa dançam durante apresentação na terceira edição do Festival de Dança e Cultura Indígena, em Minas Gerais


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Shenipabu Miyiu", na língua Hãtxa Kuï, dos índios kaxinawa, é história dos antigos. É também o nome da primeira publicação de literatura indígena, com tiragem de dez mil exemplares, editada no Brasil pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A obra está entre as cinco indicadas para leitura aos 80 mil vestibulandos da UFMG.
Os antigos a que o título se refere são os mais longevos habitantes da porção peruana das terras kaxinawa, na Amazônia Ocidental, onde vivem atualmente 1.500 índios da etnia. Mas foram jovens kaxis da parte brasileira da floresta, no Acre, que empreenderam a tarefa de registrar os 12 mitos coletados no volume. O trabalho começou em 1989, quando Osair Sales Siã Kaxinawa partiu -gravador e câmera na mão- rumo à aldeia dos parentes peruanos. A partir daí, seguiram-se seis anos de trabalho, num esforço de mais de 20 professores índios, coordenados por Joaquim Paula Mana.
Em 1995, "Shenipabu Miyiu" ganhou sua versão final, em Hãtxa Kuï e português, com edição limitada, rodada numa velha "off-set" da Comissão Pró-Índio do Acre. O livro passou a integrar o conjunto de 65 edições didáticas empregadas nos cursos de formação escolar com professores indígenas, em andamento desde 1983. Este ano, a editora UFMG rodou sua segunda edição. A tiragem, acanhada em relação ao número total de vestibulandos, faz atenção "à cultura do xerox" e à prática de leitura de resumos comentados por parte dos candidatos, segundo Silvana Cóser, do conselho editorial da UFMG. Porém coloca "Shenipabu Miyiu" acima da média de autores estreantes.
Inês Almeida, coordenadora editorial do Programa de Implantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais, diz que "nossa porção indígena sempre foi o motor da literatura brasileira -uma literatura feita de processos tradutórios". E lembra que existem aproximadamente 180 línguas indígenas faladas hoje no Brasil.
"Quando presenciamos um xacriabá ficar doente e, no seu delírio febril, sonhar que se lembra da língua que seus antepassados apanharam para esquecer, vemos o quanto estão equivocados os que preconizam o totalitarismo da linguagem, da religião, da educação, da ciência", diz Inês.
"Os registros escritos estão relacionados à documentação da cultura que os índios consideram estar em risco de desaparecimento", diz Nietta Lindenberg Monte, coordenadora pedagógica do programa Pró-Índio no Acre. "O fato de 80 mil estudantes mineiros estarem lendo mitologia kaxinawa é emblemático".
Para a pedagoga, publicações como "Shenipabu Miyiu" representam uma "ruptura" com a metodologia tradicional de registro de mitos indígenas. "Nesse caso, o índio não é apenas um informante do antropólogo, do estudioso que escreverá um livro. Estamos diante de um processo de formação do autor individual e coletivo", afirma Nietta.
Os kaxinawa reivindicaram o direito ao aprendizado da língua escrita e da matemática, no final da década de 70, quando perceberam que, por meio desses instrumentos, os patrões seringueiros exploravam seu trabalho, estabeleciam contratos unilaterais e manipulavam os pagamentos.

Livro: Shenipabu Miyiu - Histórias dos Antigos (ed. UFMG, 168 págs., R$ 17,50)
Autores: vários; organização da Comissão dos Professores Indígenas do Acre
Onde encontrar: livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, tel. 0/xx/11/285-4033) ou site www.editora.ufmg.br.



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