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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
Para entender
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Chegou a hora de assistir àquele
cineasta que não tem vogal no nome ou a filmes facilmente soletráveis, como o último da trilogia
"Qatsi", que dá início, ao lado de
"Arca Russa", de Alexandr Sokúrov, à 26ª Mostra BR de Cinema,
em São Paulo. É hora de homenagear um diretor de quem o leigo
nunca ouviu falar e conhecer a vibrante produção do Uzbequistão.
Aliás, é com a Mostra que sabemos que a Iugoslávia se desmembrou, porque seus diretores viraram macedônios ou bósnios
-ou densos. Chegou a época de
compartilhar uma fila com uns
sujeitos que você nunca viu antes,
porque cinéfilo que é cinéfilo tem
poucos amigos e não se importa
com a histrionice de seus óculos.
Poucos compartilham o vício de
assistir a um filme de um país cuja
capital não se sabe o nome.
É época de ver aquelas legendas
estranhas, geradas por um computador que, eventualmente, se
cansa e deixa de traduzir um diálogo já por si só incompreensível.
Antigamente, a Mostra era mais
legal ainda, porque em muitos filmes não havia legenda e não existia maior ironia do que sair de
uma sessão de um filme grego
afirmando, para desespero dos
outros espectadores: "Que força
há nos diálogos deste filme...".
E entender filme que ninguém
entende é obrigação, nem que para isso se utilize de um arsenal de
mentiras e frases feitas, como:
"Incrível como o plano-sequência
não interrompeu o fluxo dramático". E compare-o ao labirinto mítico de "Malpertuis", de Harry
Kümel. Ninguém o entendeu, não
vão entender a comparação.
Para se sentir mais em casa, cite
personagens que não possam
contestar o que você afirmou:
"Antonioni sempre disse que o
melhor ator é o polonês"; "Paulo
Francis adorava a luz do cinema
estoniano". Vá à Mostra. Você
não vai querer ficar sem assunto.
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