São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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ANTIBAIXARIA

Campanha convoca telespectador a apagar o televisor hoje; profissionais da TV dizem quem merece "apagão"

Personalidades "desligam" Gugu e mundo cão

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Se você tivesse que desligar sua TV por uma hora, qual escolheria? Que programa, em sua opinião, merece o seu "apagão"?
Hoje, a campanha Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania convoca telespectadores a desligar a TV por uma hora, das 15h às 16h. Se esse tipo de iniciativa tivesse algum impacto no Ibope -o que não costuma ocorrer- seriam prejudicados, entre outros, Gugu (SBT), Faustão (Globo) e Márcia Goldschmidt (Band), cujos programas começam a ser exibidos nesse horário.
A intenção da mobilização, ligada à Câmara dos Deputados, é protestar contra conteúdos que "desrespeitam os direitos humanos e a cidadania" e instituir o 17 de outubro como Dia Nacional Contra a Baixaria na Televisão.
Apesar de domingo ser uma espécie de símbolo da guerra por audiência, "baixarias" denunciadas por telespectadores abarcam os outros dias da semana. Por essa razão, a Folha perguntou aos próprios profissionais da TV que programa mereceria um "apagão" sem restringir ao horário e data estipulados pela campanha.
Foi citado o telejornalismo mundo cão, que agoniza mas ainda sobrevive, que tem como seus principais representantes o "Cidade Alerta", da Record, e o "Brasil Urgente", da Band. Os policiais foram escolhidos pelo novelista da Globo Silvio de Abreu e o apresentador da TV Cultura Marcelo Tas, que os chamou de "safados" e "urubus da miséria humana".
Os religiosos também tiveram destaque. Aguinaldo Silva, autor de "Senhora do Destino" (Globo), afirma que o missionário RR Soares, que tem programa diário no horário nobre da Band, seria desligado por ele "sem dúvida".
Autor de novelas e séries, Lauro César Muniz respondeu com humor. "Desligaria as novelas mexicanas, sobretudo as produzidas fora do país", disse, numa alfinetada a tramas brasileiras que têm pinta de produção do México.
Gugu Liberato, o sábado à noite -cujas atrações de maior audiência são "Zorra Total" (Globo) e "A Praça É Nossa" (SBT)- e o horário político também foram "vítimas" do "apagão" dos entrevistados.

Apagão mundial
A idéia é boicotar a TV não é inédita. Há pelo menos quatro anos, existe a campanha "TV Turnoff Week" (no Brasil, batizada de "Semana sem TV"), organizada por sites de vários países, sempre no fim de abril (ver www.adbusters.org e www.whitedot.org).
Mais do que protestar contra conteúdos "pobres", os idealizadores têm a intenção de mostrar o tempo que "se perde" em frente à TV e como esse período poderia ser preenchido com atividades "mais úteis", como ler, ouvir música e conversar.
É mais um dos exemplares de campanhas e boicotes surgidos com o avanço da internet. Em 2001, a campanha ganhou uma vertente brasileira que pregava, via corrente de e-mails, o "apagão" da TV por 15 minutos.
À época, o estudante paulistano Bruno Tozzini, então com 17 anos, contou à Folha que difundiu a "Semana sem TV" entre amigos e familiares. Só conseguiu desligar o televisor de seu quarto -a mãe, por exemplo, adorava o "Show do Milhão", do SBT.
Hoje com 21 anos, ele não desistiu do protesto e se "profissionalizou" no ramo. "Tenho um núcleo de ativismo há dois anos, que, além da TV, também aderiu ao "Dia de Não Comprar Nada", em 28 de novembro."
Seu grupo também esteve em eventos como o Fórum Social Mundial, a Parada AME São Paulo e uma ocupação num prédio com integrantes do MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro).
Nesses últimos quatro anos, Tozzini "apagou" a TV em abril. Ainda não tinha ouvido falar da campanha de hoje, mas, como era de esperar, apóia a proposta.
Mais novato no boicote televisivo, o estudante de publicidade Dante Augusto Cabral, 20, aderiu à "Semana sem TV" neste ano. Em sua casa, em Natal (RN), ele também só pôde desligar o aparelho do seu quarto, já que não contou com a adesão da irmã, de 16 anos, e dos pais.
"Tentei convencê-los, mas não teve jeito. Só um amigo topou ficar sem TV por uma semana."
O televisor, segundo ele, foi trocado por livros e CDs. "A TV traz poucos benefícios para mim e não quero sofrer lavagem cerebral."

A TV na TV
Além da proposta de boicote, este domingo terá uma série de atividades para discutir a televisão. A principal delas será um programa transmitido das 14h às 15h pela TV Cultura de São Paulo, TVE do Rio, além de outras educativas, comunitárias, legislativas, universitárias etc.
Produzido em parceria pela Radiobrás (estatal de comunicação do governo) e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o debate contará com a participação do deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), coordenador da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, do jornalista Daniel Herz, um dos fundadores do FNDC, do sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, da ONG TVer, e da psicanalista Maria Rita Kehl, co-autora do livro "Videologias - Ensaios sobre a Televisão".


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