São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2007

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Filme registra arte de Gilbert & George

Documentário de Julian Cole, ex-modelo da dupla que injetou acidez na arte britânica, será exibido hoje no Mix Brasil

Diretor acompanha mais de dez anos da vida dos artistas e diz ter feito registro mais completo de uma relação homossexual no cinema


SILAS MARTÍ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nos primeiros segundos do documentário "Com Gilbert & George", o homem que aparece numa tela entre dois olhos gigantes, com os artistas britânicos deitados aos seus pés, é o cineasta Julian Cole. Ele foi modelo fotográfico da dupla que injetou uma dose de acidez jamais vista no Reino Unido e decidiu inverter os papéis, fazendo deles o objeto de sua obra.
"Quando posei para aquele retrato, era como se tivessem lido meus pensamentos. Vi aquele quadro como um convite visual para que eu os retratasse", disse Julian Cole à Folha, por telefone, de Londres. No documentário em cartaz no Mix Brasil, o diretor acompanha mais de dez anos da vida da dupla. Segundo Cole, é talvez o registro mais completo de uma relação homossexual na história do cinema.
O ano em que tudo começou era 1987, o mesmo em que morreu Andy Warhol. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Gilbert & George, já conhecidos no Reino Unido, viam nos michês, mendigos e operários do East End londrino a matéria-prima para uma obra também de vertente pop, só que mais contundente ao falar de preconceito, sexo e religião.
Foi em pleno auge da epidemia da Aids que a dupla questionou com maior veemência o papel da religião na sexualidade, ao misturar imagens fálicas à iconografia cristã. "Foi uma época devastadora. Pouco foi feito porque todos estavam ocupados cuidando dos amigos que estavam morrendo, dos amantes desses amigos, dos sobreviventes", lembra Cole.
Embora os dois neguem ter entrado no estúdio com a intenção de fazer trabalhos sobre a Aids, dizem que era inevitável que os problemas associados à doença entrassem para as obras. Vários modelos retratados morreram pouco depois dos ensaios. Um deles era David Robilliard, amigo do diretor do documentário que o apresentou aos artistas.

Homens fora do tempo
"Não queríamos modelos que parecessem filhos de gerentes de banco. Queríamos homens atemporais. As pessoas nas nossas obras vivem fora do tempo", descreve George, em conversa por telefone, de Londres, com a Folha.
Nas fotomontagens de Gilbert & George, aparecem homens de todas as raças, nus e vestidos, juntos e separados. Os artistas passeavam pela rua do que era ainda um distrito operário de Londres atrás de pessoas comuns que pudessem posar para as fotos. O retrato desses jovens, gays ou não, despertou a indignação dos críticos. O filme mostra a irreverência da dupla ao lidar com a imprensa e a abertura de uma exposição que fizeram em Moscou em plena era soviética. Em 1990, foram os primeiros artistas ocidentais a pisarem no país para uma exposição de arte contemporânea, mas sofrem ainda hoje com a censura.
Museus norte-americanos que devem receber em breve uma retrospectiva da dupla agora em cartaz na Itália não querem exibir a tela "Was Jesus a Heterosexual?" alegando que o trabalho pode ofender o público. "Não sei que parte é ofensiva. Se é "Jesus" ou "heterossexual'", contesta George.
"Há muitos mitos em torno das opiniões deles, mas, por outro lado, a obra é essencialmente britânica, tem uma marca do East End, embora vivam isolados", afirma Cole. Gilbert & George dividem casa e ateliê há 40 anos. Saem apenas para comer nos cafés do bairro -não têm cozinha e recusam todos os convites a festas da sociedade londrina. "A gente sabe do que acontece pelos convites que chegam. Temos muito poucos amigos e somos muito sozinhos. Precisamos do vazio."


COM GILBERT & GEORGE
Quando:
hoje, às 22h, no Cinesesc
Direção: Julian Cole



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