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Filme registra arte de Gilbert & George
Documentário de Julian Cole, ex-modelo da dupla que injetou acidez na arte britânica, será exibido hoje no Mix Brasil
Diretor acompanha mais de dez anos da vida dos artistas e diz ter feito registro mais completo de uma relação homossexual no cinema
SILAS MARTÍ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Nos primeiros segundos do
documentário "Com Gilbert &
George", o homem que aparece
numa tela entre dois olhos gigantes, com os artistas britânicos deitados aos seus pés, é o cineasta Julian Cole. Ele foi modelo fotográfico da dupla que
injetou uma dose de acidez jamais vista no Reino Unido e decidiu inverter os papéis, fazendo deles o objeto de sua obra.
"Quando posei para aquele
retrato, era como se tivessem
lido meus pensamentos. Vi
aquele quadro como um convite visual para que eu os retratasse", disse Julian Cole à Folha, por telefone, de Londres.
No documentário em cartaz
no Mix Brasil, o diretor acompanha mais de dez anos da vida
da dupla. Segundo Cole, é talvez o registro mais completo de
uma relação homossexual na
história do cinema.
O ano em que tudo começou
era 1987, o mesmo em que morreu Andy Warhol. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico,
Gilbert & George, já conhecidos no Reino Unido, viam nos
michês, mendigos e operários
do East End londrino a matéria-prima para uma obra também de vertente pop, só que
mais contundente ao falar de
preconceito, sexo e religião.
Foi em pleno auge da epidemia da Aids que a dupla questionou com maior veemência o
papel da religião na sexualidade, ao misturar imagens fálicas
à iconografia cristã. "Foi uma
época devastadora. Pouco foi
feito porque todos estavam
ocupados cuidando dos amigos
que estavam morrendo, dos
amantes desses amigos, dos sobreviventes", lembra Cole.
Embora os dois neguem ter
entrado no estúdio com a intenção de fazer trabalhos sobre
a Aids, dizem que era inevitável
que os problemas associados à
doença entrassem para as
obras. Vários modelos retratados morreram pouco depois
dos ensaios. Um deles era David Robilliard, amigo do diretor
do documentário que o apresentou aos artistas.
Homens fora do tempo
"Não queríamos modelos
que parecessem filhos de gerentes de banco. Queríamos
homens atemporais. As pessoas nas nossas obras vivem fora do tempo", descreve George,
em conversa por telefone, de
Londres, com a Folha.
Nas fotomontagens de Gilbert & George, aparecem homens de todas as raças, nus e
vestidos, juntos e separados. Os
artistas passeavam pela rua do
que era ainda um distrito operário de Londres atrás de pessoas comuns que pudessem posar para as fotos. O retrato desses jovens, gays ou não, despertou a indignação dos críticos.
O filme mostra a irreverência da dupla ao lidar com a imprensa e a abertura de uma exposição que fizeram em Moscou em plena era soviética. Em
1990, foram os primeiros artistas ocidentais a pisarem no
país para uma exposição de arte contemporânea, mas sofrem
ainda hoje com a censura.
Museus norte-americanos
que devem receber em breve
uma retrospectiva da dupla
agora em cartaz na Itália não
querem exibir a tela "Was Jesus a Heterosexual?" alegando
que o trabalho pode ofender o
público. "Não sei que parte é
ofensiva. Se é "Jesus" ou "heterossexual'", contesta George.
"Há muitos mitos em torno
das opiniões deles, mas, por
outro lado, a obra é essencialmente britânica, tem uma marca do East End, embora vivam
isolados", afirma Cole.
Gilbert & George dividem casa e ateliê há 40 anos. Saem
apenas para comer nos cafés do
bairro -não têm cozinha e recusam todos os convites a festas da sociedade londrina. "A
gente sabe do que acontece pelos convites que chegam. Temos muito poucos amigos e somos muito sozinhos. Precisamos do vazio."
COM GILBERT & GEORGE
Quando: hoje, às 22h, no Cinesesc
Direção: Julian Cole
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