São Paulo, quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

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NINA HORTA

Os coquetéis e os copos


A bebida acabava sempre e a anfitriã precisava telefonar para o seu contrabandista que vinha correndo trazer o reforço


NOS BAILARICOS dos fins dos anos 50 não podiam faltar meia de seda e cuba libre. Daiquiri, talvez. Mas já estavam com os dias contados, haviam perdido o glamour, nenhuma festa de respeito os incluiria, viraram brega. Veio o uiscão antes do jantar, depois a vodca, o vinho, coquetel só em bares muito bons ou muito ruins.
Já ia me esquecendo do dry martíni que não fazia parte do repertório de moçoilas e mingaus da tarde. Por acaso, já adulta de todo, fui procurar trutas, e em Santo Amaro havia um bar-restaurante de um artista e era de manhã e me sentei lá e ele ofereceu um dry martíni. Um, dois, três. De repente, me dei conta que estava tomando gim puro, estômago vazio, sem almoçar. A saída do restaurante era por uma pontezinha precária sobre um riacho de trutas. Mico a pagar por quem bebe depressa.
Bem, os coquetéis continuaram a ser considerados de mau gosto, principalmente os servidos em festas em copos bem pequenos, todos meio mornos na mesma bandeja. O máximo a que nos permitíamos era uma fruta esmagada no champanhe. Ah, e o kir royale nos restaurantes. Chô! Só prestamos mais atenção neles de novo, há pouco tempo, com o clássico da série "Sex and the City", o cosmopolitan. E de repente começa aqui uma nova tendência coqueteleira, copiada, parece, de bares americanos, londrinos e por aí.
Para entrar no espírito do negócio é uma delícia ler sobre os "gay twenties", porque foi lá que a coisa começou a pegar fogo. Na Lei Seca americana, principalmente. A base da reunião chamada "coquetel" era Nova York. No livro "Banquetes Intermináveis" (DBA) temos um texto de Anita Loos no qual ela sintetiza o que era um festa no tempo da Lei Seca. Os convidados, o que havia de mais glamouroso no pedaço, a começar por Zelda e Scott Fitzgerald, Tallulah Bankhead, e todos socialites e malucos de Manhattan.
A conversa girava sobre informações de grande importância, como uma nova receita para se fazer um gin sintético ou uma cerveja de fundo de quintal. Trocavam-se nomes e telefones de contrabandistas ("bootleggers") e passava-se adiante a senha para se tomar uma cerveja no restaurante Lüchows, cerveja de Munique que era servida em xícaras de chá. Claro que todos os convidados obcecados pela bebida proibida. Os coquetéis (festas) de antigamente eram extremamente sexy, cheios de homenzarrões parrudos e mulheres muito malucas.
A bebida acabava sempre e a anfitriã precisava telefonar para o seu contrabandista que vinha correndo trazer o reforço e ficava, afinal, ele era homem de muitas ligações e seu endereço valia ouro. Era comum a bebida acabar de novo e o próprio contrabandista chamava um colega e o lugar ia se enchendo de rapazes bonitões. A certa hora, todo mundo pairando nas alturas começavam a despontar brigas, danças e cantorias (com Gershwin ao piano) e algum vizinho mal-humorado chamava a polícia que vinha e já se confraternizava com os contrabandistas, amigos de longa data.
Bem, mas isso é somente um parênteses. Se o coquetel (bebida) está entrando na moda, vamos escarafunchar desde o começo dos tempos com a fabricação do vidro, o copo, o design, a espessura da borda, tem pé ou não tem... Senão qual é a graça?
E para isso precisamos de um livro, um livro bom de verdade, que só trate desse assunto. É o "Copos de Bar e Mesa", de Edmundo Furtado (ed. Senac). Nunca mais vamos passar sem ele. Só para os interessados, é claro, para futuros baristas, para quem quer ter um bom bar em casa, para quem precisa saber por uma mesa sem erros, para quem quer beber no copo certo. Não é um livro que trata também de copos, é um livro só de copos e como e por que servem para tal bebida. Já fui lá no eBay, tem muito vidro dos anos 20, bem simpáticos.

ninahorta@uol.com.br


BANQUETES INTERMINÁVEIS
Autor: Ruth Reichl
Editora: DBA
Quanto: R$ 48 (448 págs.)

COPOS DE BAR E MESA
Autor: Edmundo Furtado
Editora: Senac
Quanto: R$ 70 (336 págs.)




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