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MÔNICA BERGAMO
Bel Pedrosa/Folha Imagem
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Uma das grandes surpresas da Grande Rio é este carro alegórico, em que esculturas gigantes se movem para mostrar posições sexuais do Kama Sutra em plena Marquês de Sapucaí |
Sexo, suor e samba
Sabe aquele desfile irretocável
que você vê na televisão durante o Carnaval no Rio?
Pois é. Ele é todo pensado, projetado e concretizado em gigantescos e calorentos galpões da
zona portuária da cidade. É
mais especificamente em duas
ruas nos arredores do Cais do
Porto -a Barão de Tefé e a Rodrigues Alves-, onde se concentram os barracões das grandes escolas, um coladinho ao
outro. Neles são feitos os carros
alegóricos, fantasias e todos os
adereços dos sambistas.
A coluna passou duas tardes
nesta Oscar Freire do samba, no
calor senegalesco dos barracões.
O medo de espiões de outras escolas é geral -todos zelam para
manter o "impacto" de seus carros na avenida; o trabalho é árduo, mas feito com prazer, devoção até.
Na Beija-Flor, as conversas
têm horário marcado para
acontecer e música é proibida.
Na Imperatriz, não pode mulheres de short e homens sem
camisa. Três atrasos resultam
no desconto de um dia de salário na Portela.
IMPERATRIZ
De camisa da Mangueira (!), a
assessora da Imperatriz Leopoldinense, Ludmilla de Aquino,
recebe a coluna. "Sou mangueirense doente, mas aprendi a
gostar desta escola", diz. Ela
mostra alguns carros, quando
surge a carnavalesca Rosa Magalhães. "Não fotografa, senão
te mato!" Rosa é uma espécie de
Michael Schumacher do samba.
Foi tricampeã em 1999-2000-2001, e seus desfiles são considerados perfeitos. Quem é do contra diz que "falta emoção".
"Rola uma dor-de-cotovelo,
mas eu não ligo", diz, fumando
um cigarro atrás do outro. Fumar, aliás, é proibido no barracão. Mas Rosa tem carta branca.
"A mulher do Carvalhão
quer me explicar o que é
um Carvalhão. É mole?
Deve pensar que sou débil mental", diz. "Carvalhão" é o guindaste que
leva os destaques para cima dos carros.
Ela reserva uma alfinetada para a Beija-Flor.
"Vocês foram lá? Viram
os monstros? Todo ano é
a mesma coisa, a escola
vem cheia de monstros."
No barracão, quem
chega depois das 8h não
toma café. Namoro é
proibido; abraçar e beijar, só a 100 m do lugar.
Mulher não trabalha de
short, pois desconcentra
os homens. Música e celular pode.
Afinal, é preciso manter
a disciplina entre os 150
operários que constroem
o desfile. Para alimentá-los, as cozinheiras Elisabete de Paula, 41, e Waldenise
Harris, 47, preparam 15 kg de
arroz por dia, 8 kg de feijão, 20
kg de carne e 10 kg de batata.
BEIJA-FLOR
Dois parrudos seguranças guardam a porta do barracão da Beija-Flor. A missão deles? Evitar a
entrada de espiões de escolas de
samba adversárias. Logo na entrada, uma placa avisa: "Horário de Conversa: das 12h às 13h e
das 16h às 16h20. Obs: só conversa sobre trabalho".
"Tem que ser assim. Senão, vira zona", diz o diretor-geral de
Carnaval e Harmonia, Luis Carlos, o Laíla, que esconde o sobrenome com "medo de macumba". Não se ouve um pio.
Todos só colam, cortam, martelam e costuram. Quem trabalha
diretamente com substâncias à
base de solvente ganha um litro
de leite por dia.
As mesinhas e cadeiras do ateliê de adereços são cobertas com
um paninho xadrez branco-e-preto. Pendurada na alça da cadeira, uma bolsinha que cada
aderecista recebe quando chega
ao trabalho, com uma pistola de
cola quente, tesoura e caneta.
Uma aderecista, como Janete
Araújo, grávida de sete meses,
ganha cerca de R$ 500 por mês.
No barracão tem até zelador:
Luis Carlos da Silva Gomes, 43,
conhecido como "Mãe Dináh" e
adepto do candomblé, mantém
sempre acesa uma vela ao pé da
estatueta de são Jorge.
Tudo o que é mostrado no
Sambódromo é feito artesanalmente. Na Beija-Flor, 180 funcionários passam os dias cortando cartolina, colando penachos, costurando, retorcendo
ferro. Descontração, só no almoço. De 15 em 15 dias, quando
sai o pagamento, todos se reúnem num botequim perto do
cais do porto. Aí também, a roda de samba e as conversas são
liberadas.
PORTELA
A entrada do barracão da Portela é vigiada por câmeras 24h
por dia. Tudo já está praticamente pronto. Três e meia da
tarde. Uma pessoa grita: "Olha o
lanche!!!". Homens e mulheres
seguem em fila indiana para pegar um copo de refrigerante e
um sanduíche de mortadela cada um.
Uma moça de short curto e
barriguinha de fora come sentada na mesa enquanto cola uma
fita dourada em chocalhos cor-de-rosa. Qual é o seu nome?
"Marcelo Laudelino, mas pode
me chamar de Silvia." Ao fundo,
seus colegas de trabalho gritam:
"É a mulher virtual! Mulher virtual!". Ela dá de ombros: "Faz
parte". Fidelidade não é com
Silvia: "Sou Salgueiro", diz, no
ninho da Portela.
Numa salinha com ventilador
no máximo, o aderecista Leonardo Ribeiro gruda lantejoulas
numa fantasia com pistola de
cola quente. Veste camisa da
Gaviões da Fiel e conta que trabalhou em SP por "quatro anos
maravilhosos". Há muita diferença entre o Carnaval carioca e
o paulista? "Ah, muita. Os carros no Rio são mais bem-feitos,
detalhados e bonitos. Mas eu
adoro São Paulo."
MANGUEIRA
A contagem regressiva para o
desfile já começou na Mangueira. Na porta do barracão, um
cartaz lembra: "Atenção pessoal. Faltam 39 dias para o desfile. Vamos lá!". Ao pé da escada
que leva às salas da diretoria,
um despacho com cerveja e feijão fradinho.
Uma rádio toca "Amor e Sexo", de Rita Lee. Também na
Mangueira o trabalho já está
quase todo completo. No segundo andar, Carlinhos de Jesus, responsável pela comissão
de frente da escola, analisa croquis e desenhos de fantasias
com o figurinista Luis de Freitas
e o diretor Moacyr Barreto. Ao
avistar estranhos, todos viram
os desenhos.
Perto da mesa de Carlinhos,
um bolo com glacê é dividido
entre as costureiras. Na Mangueira, ao contrário do que
acontece na Beija-Flor, o almoço e o lanche ficam por conta
dos próprios funcionários.
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