São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

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"VOZES DO ALÉM"

Filme sobrenatural com Keaton não se sustenta em sua arquitetura

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Ouça o Steely Dan, que grande som." Isso vem do filme "Minha Vida", com Michael Keaton, nos anos 90. O personagem descobre que tem meses de vida, e sua mulher se vê grávida. Idéia: gravar um arquivo de imagens banais e "depoimentos" do pai. Em "Vozes do Além", ele perde a mulher. Descobre que pode se comunicar com ela via estações fantasmas de TV, aqueles canais que ensurdecem com estática.
Nesses espaços cinzentos e faiscados, os mortos se fundem com a textura suja, transformam-se em imagens "zumbis". Se em "Minha Vida", a imagem do morto tem um caráter museológico, há também o caráter da garantia da presença da figura instrutora e perpetuamente jovem do pai: este quer registrar olhos sobre aquele que fica. Uma vontade de permanência, embora paire uma conformidade diante da morte. Não se sabe como será a vida do bebê, mas imagina-se algo assim, num fluxo sereno de memorial: hoje, que curiosidade de ouvir o que ele diz do Steely Dan, banda da qual tenho os discos; hoje quero lembrar de seu rosto. Em "Vozes", diferentemente, a imagem dos mortos, para os vivos, é um cárcere.
Pois essa imagem degenerada se torna uma cocaína. Keaton, viciado, vai gastar tempo e dinheiro montando uma nova casa servida de um aparato de captação dessas transmissões sinistras. Primeiro pela obsessiva idéia de que a imagem distorcida substitutiva salvará do sentimento da perda.
Depois por outra obsessão -que parece acorrentar as pessoas em um novo sistema cotidiano-, da resolução das tragédias e lacunas do mundo: os mortos alertarão e incumbirão os espectadores vivos com missões de intervenção decisiva na vida de pessoas em situação extrema. Há um desejo reiterado aqui (e que no mais é o tom do filme) de apaziguamento do mundo e doação. Não por acaso, os personagens estão sempre condenados à fragilidade, havendo inclusive um teor cênico de devoção doutrinária e talvez ingênuo nas ações.
Sax se esforça para que em cada plano e olhar haja um sentido arquitetônico, o que tem a ver com imitar a visão de Keaton, um arquiteto, sobre o mundo. Pode ser também uma conduta visual de solidariedade ou cumplicidade em relação a Keaton, personagem que projeta edificações, mas não consegue ter domínio sobre aquilo que vê ou concebe: idéia clara quando uma obra do arquiteto mostra-se chave para o enredo.
O diretor sabe usar tempo e dispositivos cenográficos para criar atmosferas. No entanto, prevalecem uma sede de impacto dramatúrgico e uma crença no recurso artificial modernizado e fácil, esse que não raro converte "fisicamente" espectros em seres esfumaçados que batem e gritam.


Vozes do Além
White Noise
 
Direção: Geoffrey Sax
Produção: EUA, 2005
Com: Michael Keaton, Chandra West
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Eldorado e circuito


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