São Paulo, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

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Canal pago acolhe o que Holywood baniu

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

As dez maiores bilheterias do cinema americano no ano passado não deixam dúvidas de que temas adultos, roteiros elaborados e atores com mais de 30 anos têm mais chance na TV do que em Hollywood.
"Transformers 2", "Harry Potter 6", "Se Beber, Não Case", "Up", "Lua Nova" e "Avatar" têm algo em comum, saltos tecnológicos à parte: uma escritura sem ossos ou espinhas para que adolescentes, os maiores frequentadores dos cinemas, possam mastigá-los sem medo.
"Não existem papéis tão intensos no cinema", reclama o ator Ted Danson, da série Damages. "Nos filmes de US$ 100 milhões, o investimento está nos efeitos especiais e no marketing, não no roteiro", diz.
A depressão da América pós-crise financeira ("Hung", "Damages"), os desafios morais da guerra ao terror ("24"), a América sexista e racista pré-revolução sexual ("Mad Men"), a indústria das drogas e suas insuspeitas ramificações ("The Wire") ou a intolerância ("True Blood") ganham generosos roteiros, produção em película, cenas de sexo e drogas banidas de Hollywood e um status único na cultura pop.
O jornal "El País" perguntou a famosos escritores espanhóis o que achavam da atual safra de seriados. "Se Dumas ou Balzac estivessem vivos, estariam na TV, onde é feita boa parte da melhor narrativa no mundo", compara Carlos Ruiz Safón.
"As sete temporadas de "Os Sopranos" foram pouco", reclama o fã Javier Marías. E o filósofo Fernando Savater diz que "Os Simpsons" não se limitam à sátira social, mas "que praticam com ácido entusiasmo a purificação antropológica".
A rede de TV franco-alemã Arte dedicou o documentário "Hollywood, o Reino das Séries", à era dourada da TV americana. No programa, destaca-se o poder dos roteiristas-produtores sobre o dos diretores e o cuidado com o texto.
O métier já se deu conta disso. Grandes atores hollywoodianos que não encontravam bons papéis na indústria-pipoca migraram para a TV. Glenn Close, Kathy Bates, Holly Hunter, Kiefer Sutherland, Martin Sheen e Rachel Griffiths se mudaram para a telinha, assim como nomes quentes do cinema independente, como Tim Roth, Gabriel Byrne, Patricia Clarkson, Mary Louise Parker e Chloe Sevigny.
Cineastas como o argentino Juan José Campanella ("O Filho da Noiva") e o norte-americano Bryan Singer ("Os Suspeitos") trabalham como diretor e produtor executivo da série "House" (Universal Channel).
Alan Ball, que levou o Oscar por "Beleza Americana", se consagrou mesmo com os seriados "A Sete Palmos" e "True Blood". O escritor Dennis Lehane escreveu roteiros para "The Wire", e o cineasta Rodrigo García, filho de Gabriel García Márquez, dirigiu episódios de "A Sete Palmos", "Big Love" e "In Treatment".
O riquíssimo mercado televisivo americano ajudou a revolução: 55% da audiência está nos canais a cabo, que chegam a 100 milhões de domicílios que pagam pela assinatura e são o público mais cobiçado pelos anunciantes. Se as TVs abertas visam a massa, o cabo precisa achar o seu nicho.
Por isso uma série como "Mad Men", a mais premiada nos últimos três anos no país, pode se contentar com apenas 2 milhões de espectadores por episódio. Por trás de sucessos como "True Blood", "Sex and the City" e "A Sete Palmos", a HBO arrebanhou 40 milhões de assinantes. Sua maior concorrente, Showtime, investiu em seriados ainda mais polêmicos, como "Dexter", "Queer as Folk", "Californication", "The Tudors" e "The L Word".
Roteiristas do seriado "The Wire" já participaram de festivais literários no Reino Unido e na China, onde outros escritores os tietavam. Para esses intelectuais, o esterco cultural não está no cabo.


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