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Canal pago acolhe o que Holywood baniu
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
As dez maiores bilheterias do
cinema americano no ano passado não deixam dúvidas de
que temas adultos, roteiros elaborados e atores com mais de
30 anos têm mais chance na TV
do que em Hollywood.
"Transformers 2", "Harry
Potter 6", "Se Beber, Não Case", "Up", "Lua Nova" e "Avatar" têm algo em comum, saltos
tecnológicos à parte: uma escritura sem ossos ou espinhas para que adolescentes, os maiores
frequentadores dos cinemas,
possam mastigá-los sem medo.
"Não existem papéis tão intensos no cinema", reclama o
ator Ted Danson, da série Damages. "Nos filmes de US$ 100
milhões, o investimento está
nos efeitos especiais e no marketing, não no roteiro", diz.
A depressão da América pós-crise financeira ("Hung", "Damages"), os desafios morais da
guerra ao terror ("24"), a América sexista e racista pré-revolução sexual ("Mad Men"), a indústria das drogas e suas insuspeitas ramificações ("The Wire") ou a intolerância ("True
Blood") ganham generosos roteiros, produção em película,
cenas de sexo e drogas banidas
de Hollywood e um status único na cultura pop.
O jornal "El País" perguntou
a famosos escritores espanhóis
o que achavam da atual safra de
seriados. "Se Dumas ou Balzac
estivessem vivos, estariam na
TV, onde é feita boa parte da
melhor narrativa no mundo",
compara Carlos Ruiz Safón.
"As sete temporadas de "Os
Sopranos" foram pouco", reclama o fã Javier Marías. E o filósofo Fernando Savater diz que
"Os Simpsons" não se limitam à
sátira social, mas "que praticam com ácido entusiasmo a
purificação antropológica".
A rede de TV franco-alemã
Arte dedicou o documentário
"Hollywood, o Reino das Séries", à era dourada da TV americana. No programa, destaca-se o poder dos roteiristas-produtores sobre o dos diretores e
o cuidado com o texto.
O métier já se deu conta disso. Grandes atores hollywoodianos que não encontravam
bons papéis na indústria-pipoca migraram para a TV. Glenn
Close, Kathy Bates, Holly Hunter, Kiefer Sutherland, Martin
Sheen e Rachel Griffiths se mudaram para a telinha, assim como nomes quentes do cinema
independente, como Tim Roth,
Gabriel Byrne, Patricia Clarkson, Mary Louise Parker e
Chloe Sevigny.
Cineastas como o argentino
Juan José Campanella ("O Filho da Noiva") e o norte-americano Bryan Singer ("Os Suspeitos") trabalham como diretor e
produtor executivo da série
"House" (Universal Channel).
Alan Ball, que levou o Oscar
por "Beleza Americana", se
consagrou mesmo com os seriados "A Sete Palmos" e "True
Blood". O escritor Dennis Lehane escreveu roteiros para
"The Wire", e o cineasta Rodrigo García, filho de Gabriel García Márquez, dirigiu episódios
de "A Sete Palmos", "Big Love"
e "In Treatment".
O riquíssimo mercado televisivo americano ajudou a revolução: 55% da audiência está
nos canais a cabo, que chegam a
100 milhões de domicílios que
pagam pela assinatura e são o
público mais cobiçado pelos
anunciantes. Se as TVs abertas
visam a massa, o cabo precisa
achar o seu nicho.
Por isso uma série como
"Mad Men", a mais premiada
nos últimos três anos no país,
pode se contentar com apenas
2 milhões de espectadores por
episódio. Por trás de sucessos
como "True Blood", "Sex and
the City" e "A Sete Palmos", a
HBO arrebanhou 40 milhões
de assinantes. Sua maior concorrente, Showtime, investiu
em seriados ainda mais polêmicos, como "Dexter", "Queer as
Folk", "Californication", "The
Tudors" e "The L Word".
Roteiristas do seriado "The
Wire" já participaram de festivais literários no Reino Unido e
na China, onde outros escritores os tietavam. Para esses intelectuais, o esterco cultural não
está no cabo.
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