São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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Procuradoria investiga leilões na TV

Empresas atraem telespectadores oferecendo moto e geladeira por valor simbólico; atividade é legal, diz operador

Ministério Público Federal quer saber se novo caça-níquel desrespeita consumidor ou é telejogo; leilões viram febre na TV

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

O Ministério Público Federal em São Paulo abriu uma investigação para apurar a legalidade do mais novo caça-níquel da televisão, os leilões reversos, que começam a virar mania.
O negócio funciona da seguinte forma: o telespectador liga para um telefone celular e faz um lance pelo produto anunciado na TV, a maioria motocicletas e eletrodomésticos. Se, ao final da duração do leilão (que varia de um dia a até mais de uma semana), seu lance for o menor e único, ele ganha o direito de comprar o produto pelo valor que ofertou.
Por exemplo: um determinado programa anuncia o leilão de uma geladeira que vale R$ 3.000; o telespectador liga e se propõe a pagar R$ 12,32 por ela; se ninguém mais ofertar R$ 12,32 e se todos os lances inferiores a esse valor tiverem, cada um, mais de um proponente, esse telespectador que deu lance de R$ 12,32 será o vencedor.
O chamariz dos leilões é a "oportunidade" de o telespectador adquirir um produto caro por um valor simbólico. Está funcionando. A Band, pioneira nesses leilões, registrou 200 mil usuários (telespectadores diferentes que fizeram lances) em agosto do ano passado, primeiro mês de funcionamento do serviço. Em janeiro, o leilão da emissora, que tem o nome de Lancemania, já acumulava 5 milhões de usuários diferentes.
Hoje, além da Band, já oferecem leilões reversos o SBT (Preço Mínimo do Baú), a Rede TV! (Menor Preço Único) e a TV Gazeta (Paga Quanto?). A Record interrompeu seu leilão, o Oferta Única, há duas semanas, oficialmente para se diferenciar das outras TVs (ou ficar mais parecida com a Globo).
À exceção do SBT, todas as redes exploram o caça-níquel em programas femininos.
O telespectador que participa dos leilões, mas não ganha, arca "apenas" com os telefonemas. O valor das ligações varia de acordo com o local de onde se telefona. Cada leilão opera com um único número em todo o país. Logo, as ligações são interurbanas para boa parte dos usuários. A Band usa um celular de Belo Horizonte. Só o SBT opera um número de São Paulo.
O serviço também é oferecido na versão SMS pela Band e SBT. Nesse caso, em vez de telefonar, o telespectador manda uma mensagem pelo celular. Essa mensagem, que normalmente custa, sem os impostos, R$ 0,31 (é o quanto se paga para, por exemplo, votar nos "paredões" do "Big Brother"), sai por R$ 1 nos leilões (mais até R$ 0,40 de tributos).

Encanto
O negócio tem um efeito encantador sobre os telespectadores. Segundo um dos operadores desses leilões, cada usuário faz em média entre dois e três lances por leilão. Trinta por cento dos vencedores fazem mais 15 telefonemas.
As empresas criaram limites para os usuários, mas eles são bem dilatados. Nos leilões da Band e SBT, o usuário "só" pode fazer cem ligações por mês. Se assinar um termo de responsabilidade, esse limite cai.
Os leilões envolvem vários atores econômicos. Além das TVs e das operadoras de telefonia, há duas "operadoras" (a ResponsFabrikken e a CellCast), empresas que administram as plataformas telefônicas, e os varejistas (Eletro Direto e Americanas), que vendem e entregam as mercadorias.

Jogo de azar
O Ministério Público Federal quer saber se os leilões reversos não estão lesando o consumidor e se não se configuram como um telejogo, como o 0900.
O órgão enviou ofício à Caixa Econômica Federal, a quem compete expedir autorizações para sorteios e promoções comerciais, perguntando se os leilões não se enquadram em uma dessas categorias. Nenhum leilão foi autorizado pela CEF.
Os operadores não vêem problemas. Primeiro, porque leilões são atividades legais. Segundo, porque vendem produtos -e não sorteiam. "Nós submetemos os leilões à Caixa e recebemos um "de acordo". Não é preciso autorização", diz Percival Palesel, diretor da CellCast.
As empresas admitem que parte da remuneração do negócio vem da participação nas receitas das telefônicas ("alguns poucos centavos"). Contam que o que sustenta os leilões são os patrocinadores. "Os leilões atraem audiência, são uma ótima mídia para as marcas. A Brastemp acaba pagando para ter seus produtos leiloados", afirma Michel Castaldelli, diretor-executivo da dinamarquesa ResponsFabrikken.
As TVs dizem que vendem espaços, como merchandising, mas têm participação nos resultados. Enfatizam que os serviços têm regulamentos publicados em sites e são auditados.
A CEF informou que ainda não recebeu ofício do Ministério Público e nega ter recebido consultas das operadoras.


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