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OSCAR HONORÁRIO
Delação de Elia Kazan foi ato trágico e maduro
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Segundo a versão clássica, depois
de muito ser pressionado pela Comissão de Atividades Anti-Americanas do Senado, em 1952 Elia Kazan -que receberá no domingo
um Oscar especial por sua carreira- cedeu e delatou seus ex-amigos do Partido Comunista, como
maneira de salvar sua carreira.
Em tese defendida na Unicamp, a
historiadora Sheila Schvarzman
levanta a hipótese de essa versão
não ser muito mais que um conto
da carochinha.
Com efeito, Kazan era um ex-comunista no tempo da caça às bruxas e, como tal, foi pressionado pela comissão. De fato, ele hesitou
antes de fazê-lo e é certo que, se
não o fizesse, sua carreira em
Hollywood iria por água abaixo.
O que é em geral esquecido é que
Elia Kazan delatou seus ex-amigos
com estardalhaço. Não só entregou os nomes à comissão, como
publicou um artigo de página inteira no "New York Times" defendendo sua atitude.
Kazan, membro do partido nos
anos 30, desligou-se dele em grande estilo quando o Comitê Central
enviou um comissário para supervisionar suas atividades de diretor
teatral. A ruptura foi violenta, e data daí sua ojeriza ao Partido Comunista (não propriamente ao comunismo; Kazan era um liberal, no
sentido americano do termo).
Portanto, a delação de Kazan
-ao contrário da de outros cineastas, como Edward Dmytryk-
se deu menos para que salvasse a
pele, do que por julgar a idéia de
que o partido era uma ameaça
mundial.
Talvez por isso ele tenha sido o
único cineasta, de todos os envolvidos com a delação na era macarthista, cuja obra floresceu justamente após seu depoimento,
quando fez, de enfiada, "Sindicato
de Ladrões" (1954), "A Leste do
Eden" (1955), "Baby Doll" (1956),
"Um Rosto na Multidão" (1957),
"Rio Violento" (1960), "Clamor do
Sexo" (1962), "América, América"
(1963) -uma série para ninguém
botar defeito (a outra exceção é
Robert Rossen, que levou mais de
dez anos para se recuperar do
acontecido).
Mais interessante no trabalho da
historiadora, porém, é a constatação de que "Pânico nas Ruas" (de
1949, portanto três anos antes do
depoimento) é um filme em que a
delação aparece como atitude necessária e saneadora.
Trata-se ali de denunciar o responsável por uma epidemia que se
alastra nas proximidades de um
porto.
Em 1952, ano de seu depoimento,
Kazan lança "Viva Zapata!", em
que introduz uma espécie de comissário do povo enviado para direcionar as atividades dos revolucionários.
Como a Revolução Mexicana
precede a Revolução Russa e a instituição do comissário do povo,
Schvarzman observa que essa figura, detestável no filme, é uma criação do diretor (e do roteirista Budd
Schulberg, também ex-comunista
e também delator) e uma observação direta sobre os métodos do
Partido Comunista.
Todos esses indícios fazem crer
que a delação foi um ato consciente de Elia Kazan, muito mais do
que produto de pressões da época.
Sua hesitação, vistas as coisas assim, diria respeito muito mais à
passagem da teoria à prática, do
que às dúvidas íntimas que nutria
sobre a delação como um ato saneador.
Para completar, não é certo que o
gesto tenha beneficiado o diretor.
Logo em seguida a ele, foi forçado a
dirigir "Um Homem na Corda-Bamba", filme de segunda linha e
caricatamente anticomunista,
quando até 1952 era um cineasta
com enorme prestígio junto à Fox.
O mesmo estúdio não se dignou
a produzir "Sindicato de Ladrões",
realização independente que, de
fato, relançou sua carreira.
Entusiasta de Roosevelt
Outro elemento torna ainda mais
complexa a atitude de Kazan: ele
era um entusiasta do presidente
Franklin Roosevelt e de sua política do New Deal, que foram, na verdade, alvos prioritários da caça às
bruxas (vingança dos republicanos
contra os partidários de Roosevelt
e da intervenção do Estado nos negócios). A defesa do New Deal será,
no mais, um aspecto central de
"Rio Violento".
Independente das considerações
de ordem moral que pode suscitar
a delação, parece bem mais consistente a idéia de que o gesto de Kazan tenha sido consciente e refletido.
Foi um gesto trágico, que dividiu
sua vida em dois, marcando-o para
sempre com o estigma de dedo-duro. Mas foi também uma atitude
madura, pela qual tomou posição
em relação à história americana e
ao stalinismo, e que o elevam a
personagem dessa história de que
seus filmes dão conta, no mais, como poucas outras obras neste século.
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