|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO BONASSI
Termo de compromisso com a verdade
Dá-me aqui este livro para
que fique clara a minha intenção de provocar confusão: eu
juro dizer a verdade, somente a
verdade, nada mais que a verdade... Em primeiro lugar, o que é a
verdade? A verdade, na verdade,
é, lamentamos informar, ambígüa. Uma verdade revelada pode
ser uma mentira deslavada, desde que em ordem com o processo e
bem apresentada!
A verdade, conforme apregoa a
física, é uma sujeita relativa à velocidade do observador. Há aqueles que têm mais pressa de chegar
aos fatos consumados; há outros
que preferem analisar os acontecimentos com cuidado e perícias,
até porque algumas pistas escarafunchadas em hora errada podem muito bem convir à prescrição das certas penas de uns e outros, tecnicamente.
Tecnicamente, portanto, a verdade está em trânsito. Paga pedágio, pede passagem, dá licenças e
sinais. Transita entre capitais e
entre culturas; entre campanhas e
legislaturas...
A verdade está no código: há os
que o respeitam permanecendo
calados pelo receio de serem culpados num desses atos falhos incensados por inquiridores deputados.
Manterei-me no direito torto de
ficar quietinho.
Não será um inquérito parlamentar suspeito que vai se meter
no fundo dos meus relacionamentos, por mais violento ou sujo
que me tenha sido o passado arremessado nos ventiladores das repartições de verbas públicas, como um jogo de azar.
Tenho má reputação a zelar!
E nada mais legítimo do que
duvidar da qualidade desses testemunhos que se movem contra
mim! Todos são imperfeitos até
prova contrária do Supremo!
Ninguém aqui é o messias dos casos enrolados, ainda que possamos impetrar mandatos e fazer
estardalhaço com recursos desperdiçados.
O que há de verdade nesses documentos empedrados nas gavetas dos magistrados?
Deus pode ser grande, mostrar o
caminho e fazer seus julgamentos, mas são as decisões locais que
agem em meu benefício. Sou um
líder em minha comunidade. Todos os juízes me respeitam!
Bem preservaria-me no anonimato das mamatas se esses promotores sem graça tivessem a fineza de não pegarem nos pés dos
meus sonhos de grandeza.
Não posso mostrar a cara. Sou
apenas um contra a massa ignara. Verdade boa se advoga é com
pernas longas e saias justas, declarando nossos desejos e subornos mais íntimos!
A verdade, é bom lembrar, depende da amizade. Rima com
vontade, mas não rima com sabedoria ou esperteza. As cartas estão na mesa: aos amigos, a caridade prática, aos inimigos, a ferroada da lei democrática!
O problema é que a verdade,
por menos maldade, pode estar
entalada num novelo de explicações mal dadas que uma vez puxadas haverão de gerar reações
inesperadas!
Quem disse que uma revolução
começa numa loucura tinha razão! Isto não é uma palhaçada,
ainda que a verdade nos venha a
ser jogada como uma torta engraçada, expondo-nos ridículos por
trás das máscaras despregadas.
Podemos estar sendo vítimas
das circunstâncias que fazem os
ladrões, mas isso não quer dizer
que carregamos todas as nossas
aquisições importantes aos paraísos fiscais distantes. Minhas contas na Suíça pago eu, ainda que
com o dinheiro dos outros ou levando mulher alheia. Quem não
tem seus pecados no pensamento?
A verdade é uma idéia, é um
momento!
Quem estuda essa história terrível feita por homens pisoteando
nos homens como eu também sabe que a verdade depende da insistência, conforme ensinaram os
nazistas. Afinal, uma boa mentira repetida à exaustão há de convencer a multidão dos meus quereres!
Não sei de tudo! Eu fiz nada!
Pobrezinho!
A verdade pode vir a depender
da força empregada, dos regulamentos que "pegam" na porrada
e das armas importadas por baixo dos panos que apontam em desafio para ricos braços erguidos
que não pagam impostos. A verdade é uma água gelada que se
esvai entre dedos trêmulos de medos. Todos terão a morte que merecem, esse é o destino inescapável. Quanto a mim, espero que demore, que eu aproveite, que melhore.
A verdade é um fenômeno incomensurável e incompreensível;
podendo, de pouca transparência, ser considerada mentira,
quanto maiores forem as perdas
daqueles que se sentirem prejudicados. A justiça cega está aí, à disposição dos mais espertos!
A verdade pode estar num ponto específico, entranhada num
orifício difícil. A verdade é um tumor, um incômodo, um cisco! É
um risco no disco e depende do
barulho que nos causa.
A causa da verdade é egoísta e
mesquinha, pois exige existir sozinha! Eu prefiro a ousadia da criação. A mentira como expressão!
A verdade é um alimento que
pode dar congestão...
Se ficarmos imóveis, quem sabe
não seremos vistos enrascados,
podendo guardar nos cofres camuflados e escusos as nossas vilezas vistosas?!
O melhor mesmo é o silêncio; só
assim as nossas consciências continuarão fazendo eco de coisas
idênticas, num eterno retorno da
mesma porcaria.
Texto Anterior: Moda: Westwood costura o punk e a nobreza Próximo Texto: Artes: Comunidade armênia peregrina até exposição Índice
|