|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Jia Zhang-ke pede minuto de silêncio pelas vítimas do terremoto na China
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA, EM CANNES
Uma trágica coincidência
multiplicou o interesse pelo
único filme chinês em competição no Festival de Cannes. "24
City", de Jia Zhang-ke, foi todo
filmado em Chengdu, uma das
cidades mais afetadas pelo recente terremoto que deixou
milhares de vítimas na região.
A pedido do cineasta, a entrevista coletiva que se seguiu à
única exibição do filme para a
imprensa, ontem, foi interrompida por um minuto de silêncio
em homenagem aos mortos de
Chengdu. "Para fazer esse filme, freqüentei a região por um
ano e três meses. O que acaba
de acontecer é muito doloroso
para mim. Como cineasta, seria
importante se pudesse fazer
com que o mundo se interessasse mais por essa região."
Ao longo desse tempo, o diretor colheu, em vídeo, mais de
cem depoimentos em busca de
histórias que refletissem as
profundas transformações que
o país tem atravessado. A cidade não foi escolhida por acaso:
por mais de 50 anos, Chengdu
abrigou uma fábrica estatal de
armamentos e de aviões, mas,
em 2005, o terreno foi comprado para que a fábrica desse lugar a um condomínio de luxo,
cujo nome dá título ao filme.
"24 City" dá continuidade ao
projeto de Zhang-ke de documentar as transformações da
China pelos olhos daqueles que
sofrem essas mudanças. "A
passagem de uma economia
planificada para uma de mercado é um dado histórico que tem
imensa influência sobre o indivíduo. Quis registrar um mundo que está desaparecendo, o
dos operários que cresceram
durante a Revolução Cultural."
Zhang-ke recorre a um recurso parecido com o de Eduardo Coutinho em "Jogo de Cena", aprofundando a mistura entre documentário e ficção
que já fazia parte de seus filmes
anteriores, como "O Mundo" e
"Em Busca da Vida" (Leão de
Ouro em Veneza). Em "24
City", ele alterna depoimentos
de personagens reais, que representam três gerações, e inventados, interpretados por
atrizes. Mas não avisa o que é
fato e o que é ficção.
"A demolição da fábrica é um
fato com uma imensa força
simbólica para representar as
transformações da China.
Acredito que, no passado, podemos encontrar respostas para problemas do presente. Os
depoimentos nos permitiram
mergulhar num túnel de memórias fascinantes, mas a mistura de documentário e ficção
permite uma visão ainda mais
precisa da história."
Texto Anterior: Crítica: Drama se concentra no essencial Próximo Texto: Zélia Gattai morre em Salvador aos 91 Índice
|