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CRÍTICA
Rohmer constrói cenários como pinturas
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Aos 83 anos, Eric Rohmer é
um cineasta jovem. Basta ver
seu mais recente filme, "A Inglesa
e o Duque", um trabalho inventivo e ousado, admirável em vários
níveis e sentidos.
Há, primeiro, o sentido histórico. Sem medo de ser politicamente incorreto, o diretor aborda um
período da Revolução Francesa (o
Terror) e o recria a partir do ponto de vista de uma aristocrata. "Na
França, só se comemora a Revolução. Ninguém fala do Terror. E esse foi um dos principais motivos
que me levaram a fazer o filme",
disse Rohmer.
Há, depois, o sentido estético.
Essa recriação histórica se dá de
forma não-realista e, ao mesmo
tempo, bem mais próxima do
"real". Melhor explicando: o cineasta partiu de gravuras e mapas
da Paris da época (entre 1789 e
1793) e "construiu" os cenários
exteriores como pinturas por onde se movem os personagens. Ele
não quis filmar em cenários reais,
"fiéis" à arquitetura histórica, como na maior parte dos filmes históricos, mas buscou uma recriação de Paris como ela era então.
Rohmer faz uso original, ainda,
de tecnologias digitais, indispensáveis para criar tais ilusões realistas. Ele teve a idéia de fazer "A Inglesa e o Duque" no começo da
década de 90, quando tomou conhecimento dos diários da aristocrata Grace Elliot, mas precisou
esperar dez anos para que sua
concepção estética se tornasse
tecnologicamente viável.
Em meio a todos esses elementos, que fazem de "A Inglesa e o
Duque" uma festa para os olhos,
há um outro mais sutil, e que talvez caracterize de fato este filme
como um autêntico Rohmer: o
que o cineasta está narrando é
uma grande história de amor.
Não se trata de um romance embalado pela história, como em geral os filmes de época são construídos, mas sim de uma genuína
e complexa relação amorosa fundada nas afinidades e contradições entre os personagens do título: "a inglesa" (Grace Elliot) e "o
duque" (que, apesar da origem
aristocrática, é revolucionário).
Rohmer baseou seu roteiro nos
diários de Grace Elliot, escritos
enquanto ela estava presa (Grace
foi liberada após a queda de Robespierre). Para o historiador da
literatura Marc Fumaroli, em texto publicado na "Cahiers du Cinema", trata-se de um filme com o
mesmo valor de grandes romances históricos de autores como
Alexandre Dumas e Robert Louis
Stevenson. Ao fugir das versões
oficiais dos historiadores e se
apropriar diretamente de um testemunho de época, ele estaria alcançando um ponto de vista não-banal, fenomenológico, de um
período pouco abordado.
De fato, Rohmer não julga, só
mostra. O que não significa que
ele esteja buscando uma "isenção
histórica". Ao contrário, desde a
escolha do ponto de vista ele já se
mostra extremamente crítico ao
fundamentalismo que tomou
conta da Revolução Francesa. Ele
optou pelo caminho mais arriscado, mas não se exime de defender
o humanismo para todos, mesmo
(seja do povo ou da aristocracia).
Por isso, é claro, foi chamado de
reacionário.
A Inglesa e o Duque
L'Anglaise et le Duc
Produção: França, 2001
Direção: Eric Rohmer
Com: Lucy Russel, Jean-Claude Dreyfus
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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