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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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CRÍTICA

Rohmer constrói cenários como pinturas

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Aos 83 anos, Eric Rohmer é um cineasta jovem. Basta ver seu mais recente filme, "A Inglesa e o Duque", um trabalho inventivo e ousado, admirável em vários níveis e sentidos.
Há, primeiro, o sentido histórico. Sem medo de ser politicamente incorreto, o diretor aborda um período da Revolução Francesa (o Terror) e o recria a partir do ponto de vista de uma aristocrata. "Na França, só se comemora a Revolução. Ninguém fala do Terror. E esse foi um dos principais motivos que me levaram a fazer o filme", disse Rohmer.
Há, depois, o sentido estético. Essa recriação histórica se dá de forma não-realista e, ao mesmo tempo, bem mais próxima do "real". Melhor explicando: o cineasta partiu de gravuras e mapas da Paris da época (entre 1789 e 1793) e "construiu" os cenários exteriores como pinturas por onde se movem os personagens. Ele não quis filmar em cenários reais, "fiéis" à arquitetura histórica, como na maior parte dos filmes históricos, mas buscou uma recriação de Paris como ela era então.
Rohmer faz uso original, ainda, de tecnologias digitais, indispensáveis para criar tais ilusões realistas. Ele teve a idéia de fazer "A Inglesa e o Duque" no começo da década de 90, quando tomou conhecimento dos diários da aristocrata Grace Elliot, mas precisou esperar dez anos para que sua concepção estética se tornasse tecnologicamente viável.
Em meio a todos esses elementos, que fazem de "A Inglesa e o Duque" uma festa para os olhos, há um outro mais sutil, e que talvez caracterize de fato este filme como um autêntico Rohmer: o que o cineasta está narrando é uma grande história de amor. Não se trata de um romance embalado pela história, como em geral os filmes de época são construídos, mas sim de uma genuína e complexa relação amorosa fundada nas afinidades e contradições entre os personagens do título: "a inglesa" (Grace Elliot) e "o duque" (que, apesar da origem aristocrática, é revolucionário).
Rohmer baseou seu roteiro nos diários de Grace Elliot, escritos enquanto ela estava presa (Grace foi liberada após a queda de Robespierre). Para o historiador da literatura Marc Fumaroli, em texto publicado na "Cahiers du Cinema", trata-se de um filme com o mesmo valor de grandes romances históricos de autores como Alexandre Dumas e Robert Louis Stevenson. Ao fugir das versões oficiais dos historiadores e se apropriar diretamente de um testemunho de época, ele estaria alcançando um ponto de vista não-banal, fenomenológico, de um período pouco abordado.
De fato, Rohmer não julga, só mostra. O que não significa que ele esteja buscando uma "isenção histórica". Ao contrário, desde a escolha do ponto de vista ele já se mostra extremamente crítico ao fundamentalismo que tomou conta da Revolução Francesa. Ele optou pelo caminho mais arriscado, mas não se exime de defender o humanismo para todos, mesmo (seja do povo ou da aristocracia). Por isso, é claro, foi chamado de reacionário.


A Inglesa e o Duque
L'Anglaise et le Duc
    
Produção: França, 2001
Direção: Eric Rohmer
Com: Lucy Russel, Jean-Claude Dreyfus
Quando: a partir de hoje no Cinesesc



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