|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sagrado pontua viagem do Vertigem
DA REPORTAGEM LOCAL
Proporções à parte, os integrantes do grupo Teatro da Vertigem
experimentaram um tanto daquele espírito desbravador do
mato-grossense Marechal Rondon (1885-1958), que conheceu
territórios e povos indígenas da
Amazônia e de outras regiões do
país no início do século 20.
Julho, o mês das férias, foi eleito
o período da expedição às outras
duas pernas do projeto "BR3",
que compreende o distrito paulistano de Brasilândia (zona norte),
a capital federal, Brasília, e a cidade de Brasiléia, no Acre.
O grupo partiu de São Paulo para "buscar, nas cidades em que
passaremos, suas distâncias e semelhanças, suas cesuras e seus
movimentos, suas histórias e imagens, seus tempos, seus olhares a
se encontrarem com os olhos da
Vertigem", como escreveu o
coordenador teórico do projeto,
Ivan Delmanto, em diário de viagem no site UOL.
Essa investigação, na base de
"fazer o caminho caminhando",
deve resultar no quarto espetáculo do grupo, em 2005.
Algumas expectativas foram revertidas. Por exemplo, era intenção do diretor Antônio Araújo e
dos atores desviar do universo do
sagrado, que tanto marcou a trajetória do grupo, para um recorte
mais sociológico, digamos assim,
que já despontara em "Apocalipse 1,11". Pensou-se a expedição
como possibilidade de descortinar outros Brasis, de tocar em
questões como identidade, ou
não-identidade, o caráter, a peleja
centro-periferia etc.
Eis que o sagrado, no entanto,
roubou a cena novamente. Do
Vale do Amanhecer, em Brasília,
sob a doutrina da guia espiritual e
fundadora Tia Neiva, passando
pelos rituais do Santo Daime em
Rondônia e no Acre, o grupo deparou com crenças e religiões,
cultos e curas.
A própria residência artística
em Brasilândia, desde março, já
dava pistas dessa tendência, tantas as igrejas evangélicas e pentecostais entre as vielas do distrito.
Outra percepção transformada
pela viagem, diz Araújo, é a de que
os três pontos do mapa (Brasilândia, Brasília e Brasiléia), emblematicamente carregados pelo radical "Br", não são exclusivamente mais a referência. O próprio ir-e-vir revelou-se pleno de conteúdos, impressões e emoções que
inevitavelmente servirão como
subsídios ao encenador, atores e
ao dramaturgo Bernardo Carvalho, colunista da Folha.
Um exemplo veio da comoção
de parte do grupo ao encontrar o
poeta, cantor e artesão Adão Lopes, na cidade-satélite de Taguatinga. "É como um trovão para
chover / É uma festa em Noite de
São João / É um bumba-meu-boi
no Maranhão / É casamento de
branca com Moreno / É passar a
escritura de um terreno / É um Divino cantando no sertão", declamou-cantou o artista popular.
Havia a preocupação de não interagir com as cidades encontradas de modo a desfigurar a pesquisa. Daí a previsão de retorno a
Brasília, ainda neste ano, agora
para perscrutar efetivamente os
poderes político e econômico.
"A viagem nos aproximou de
questões, de pessoas e de histórias. Voltamos alimentados, mas
ainda não sei o que virá disso", diz
Araújo, 38. Em setembro, o grupo
entra em sala de ensaio para realizar improvisações e workshop em
torno do que trouxe na bagagem.
Apesar das vacinas preventivas,
parte da equipe passou mal durante a viagem. Febre, ânsia de
vômitos, diarréia. Um ator foi
hospitalizado. Nada grave.
A viagem a bordo de um Exploranter, espécie de hotel sobre as
rodas de um caminhão Scania (usado para o ecoturismo), com 18 integrantes, foi possível por causa do Programa Municipal de Fomento ao
Teatro. Há, em paralelo, a "expedição" por patrocínio, talvez mais
difícil do que aquela.
Mal chegou e o Vertigem empreende outra viagem, agora para
levar a chamada trilogia bíblica
pela primeira vez ao FIT-BH
2004. Nenhuma das três peças
("O Paraíso Perdido", "O Livro e
Jó" e "Apocalipse 1,11") havia sido
apresentada em Minas, o que dá
certo caráter afetivo a Araújo,
nascido em Uberaba e criado em
Araguari. Na quarta-feira, antes
que soassem as badaladas das 18h,
ele e equipe tiveram que deixar a
igreja Nossa Senhora do Carmo
para a celebração da missa.
Ao contrário de São Paulo, a
Igreja Católica consentiu com "O
Paraíso Perdido". "O frei local se
mostrou progressista", afirma o
encenador.
(VS)
Diário de viagem: na internet:
www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2004/teatrodavertigem
Texto Anterior: Belo Horizonte amplia o lugar do teatro Próximo Texto: Literatura: Alberto da Costa e Silva recebe hoje, em SP, o Troféu Juca Pato Índice
|