São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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MÚSICA

Envolto em lendas, "The Vanilla Tapes" será lançado junto com edição especial dos 25 anos de "London Calling"

Disco perdido do Clash é reencontrado

ANTHONY BARNES
DO "INDEPENDENT"

Um dos grandes álbuns perdidos da história do rock, um conjunto de gravações realizadas pelo Clash, foi redescoberto 25 anos depois de as canções terem sido dadas por desaparecidas.
As gravações, conhecidas como "The Vanilla Tapes", só haviam sido ouvidas pela banda, no passado. Todos os envolvidos acreditavam que a única cópia havia sido esquecida por um roadie em um trem de metrô londrino.
Mas as gravações master foram localizadas agora, em uma caixa de papelão guardada por Mick Jones, guitarrista e cantor do Clash, quando ele mudava de casa. As gravações são de 1979, quando a banda trabalhava no seu terceiro álbum, "London Calling", considerado sua obra-prima.
Com o material reencontrado, 21 das faixas de "Vanilla" -incluindo cinco canções até agora desconhecidas- serão lançadas pela primeira vez como parte da edição de 25º aniversário de "London Calling". Quase todas as faixas são versões básicas das canções que entraram no disco.
Pat Gilberto, biógrafo da banda, diz que "não há muito material inédito do Clash. A idéia de que um disco inteiro tenha ressurgido dessa forma é absolutamente incrível". A existência das gravações ganhou proporções de lenda quando o roadie Johnny Green contou, em suas memórias, como as havia perdido. Ele estava encarregado de entregar uma fita com as novas composições da banda ao produtor Guy Stevens. Green perdeu as fitas a caminho da casa de Stevens. "Disseram-me que entregasse as fitas a Guy, mas parei no pub para tomar umas, bom, muitas. Dormi no metrô e quando acordei vi que estava em Warren Street, onde tinha de fazer minha baldeação, e saí correndo, esquecendo a fita. Alguém da banda escreveu "Val Doonican" [cantor e apresentador brega da TV britânica] na caixa, e sempre imaginei a pessoa que encontrou o material ouvindo a fita e pensando "O que será isso?", e jogando-a no lixo".
Mas uma fita master sobreviveu, esquecida em meio à coleção privada de Jones. As canções foram gravadas no Vanilla Studios, onde a banda preparava seu disco na presença apenas de seus dois roadies, Green e Baker Glare. Com técnicas primitivas, eles acionavam os gravadores todos os dias para registrar o trabalho em progresso. Em um determinado momento, o outro líder da banda, Joe Strummer [morto em 2002], estava disposto a usar aquela estrutura básica para gravar o novo trabalho do grupo, mas a idéia foi abandonada.
O Clash vivia um período dourado, de expansão de fronteiras. "Chegou uma hora em que o punk estava se estreitando, avançando muito pouco", diz Jones. "Mas acreditávamos que podíamos fazer música de qualquer tipo." Os membros do grupo se relacionavam muito bem, e a camaradagem era reforçada por partidas de futebol em contraste com as brigas que se seguiriam.
Depois de semanas entocados no Vanilla, eles se transferiram para o Wessex Studio, onde o excêntrico produtor Stevens passou a empregar uma série de métodos incomuns. "Ele girava uma escada portátil como se fosse uma clava, e depois jogava cinco ou seis cadeiras contra a parede do estúdio", diz Jones. Imagens de suas maluquices estão registradas em um documentário dirigido por Don Letts, que será lançado com a edição comemorativa.
"Eram rascunhos. Mas fico feliz por tê-los encontrado. Contam muito sobre o que éramos naquele momento", diz Jones. Pat Gilbert, autor do livro "Passion Is a Fashion: The Real Story of the Clash" [Paixão é moda: a verdadeira história do Clash], diz que "de certa forma a lenda é abrandada, quando ouvimos a construção básica das canções, mas elas funcionam bem, musicalmente".
O estúdio abrigou algumas das mais famosas sessões de gravação britânicas, com discos do Queen e do Sex Pistols -que gravou seu único álbum, "Never Mind the Bollocks", por lá, e reza a lenda que o cantor Johnny Rotten vomitou no piano. Mas agora o Wessex Studio, que no passado só era superado por Abbey Road em termos de recursos, vai se tornar um condomínio com apartamentos de mais de 300 mil libras.


Tradução de Paulo Migliacci


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