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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003

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GASTRONOMIA

Os gansos estão chegando... em setembro!

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Não dá para contar a história inteira cada vez que se fala de uma pessoa. Ou de um prato. O chef é Erick Jacquin, francês, nascido em Dur Sur Auron. Bem no meião da França, junto às vinícolas do vale do Loire. Um dia foi convidado para vir ao Brasil e comandar um restaurante. Ficou, fez bonito, ganhou todas as estrelas e medalhas e abriu o Le Café Antique na rua Haddock Lobo, 1.416, SP, um lugar charmoso e interessante.
Mas o interessante mesmo é a comida bourgeoise francesa do chef, bem honesta, e um foie gras especial. Aliás, faz todo foie gras muito bem, tem uma grande intimidade com o ganso e com o pato. Aproveitemos para o serviço. Erick Jacquin realiza seu festival de foie gras de 22 a 30 de setembro, na hora do jantar, fazendo todos os tipos de foie que inventou ou traduziu ou repetiu nos últimos 30 anos. Ao fígado dos gansos, minha gente, aos gansos!
No outro dia assisti a uma aula do Jacquin em que ele fez uma blanquette de veau, um prato que a avó ensinou para a mãe, prato de todo dia, um coxão de vitela em pedaços, num caldo de legumes fresquíssimos, creme de leite, champignons de Paris, uma gema e pronto. Quando provei, era o céu, a delicadeza do céu. Ultrapassava os ingredientes, era de uma leveza para comer sem prestar grande atenção, mas toda semana, no dia certo, como costuma ser comida de mãe ou de avó.
Pois bem, cheguei em casa e dei a receita para quem competia fazê-la e fiquei só esperando a dose repetida. E o resultado, qual foi? Pobre, paupérrimo, um mingau grosso, com gosto de curral, com a essência condensada do bicho. Meu Deus, gemi, será preciso ter uma bisavó e avó e mãe em Dun Sur Auron para fazer um ensopadinho de vitela? Parbleu! E o encarregado dizia, é assim mesmo, assisti a uma aula dele, é assim mesmo. E a coisa, o ensopado era um Zelig, grudava-se como um mingau duro na vasilha, era a própria vasilha...
Conheço o poder feroz de um excesso de roux, de farinha, e não me fiz de rogada. Telefonei para a administradora do Jacquin, o anjo da guarda Luciana Tokito, eficiente, que marcou hora com o atônito cozinheiro. Como? Aprender a fazer uma blanquette à la ancienne? Já se nasce sabendo, é a coisa mais fácil do mundo!!!!
E o bom Jacquin cozinhou para nós numa imprópria hora de almoço. Atenção e repitam no jantar, que é bom.
Limpou e cortou 1 kg de coxão duro de vitela do Wessel em cubos médios de 3 cm x 3 cm. Pegou uma boa panela de ferro fundido e esmaltado, juntou a carne em pedaços e cobriu com água fria, um ou dois dedos acima do nível da carne. Deixou fervendo por uns dois minutos (é nesse blanchir que se vai o excesso de alma do bicho, e ele adquire um sabor mais domado). Escorreu, lavou em água fervente, espantando o resto da bezerrice.
Daí, com carinhos que só um bom cozinheiro tem, descascou e lavou 150 g de alho poró, 150 g de cenoura, 180 g de cebola, lavou um ramo de salsinha e deixou com o talo.
Colocou água fria de novo na panela, juntou a carne, a cebola, o alho-poró, a cenoura, a salsinha, a pimenta branca, bastante, umas oito bolinhas, sal grosso, um ramo de tomilho e uma folha de louro. Cozinhou a carne por duas horas com os legumes, fogo baixo, e com a escumadeira ia jogando fora a espuma que se formava durante o cozimento. A carne ficou molinha de comer com colher, mas reteve seu formato.
Então lavou e picou 300 g de champignons frescos, sujos de terra. Salteou em um pouquinho de manteiga, temperou com sal e pimenta branca e deixou ali no fogo, meio tampado, soltando água, por uns cinco minutos. Escorreu esse pouquinho de líquido dos cogumelos e guardou com cuidado, para usar depois e aproveitar o sabor.
Daí, outra etapa. Pegou uma frigideira e fez um roux, misturando numa frigideira, sem dourar, só o tempo de eliminar o gosto cru da farinha, 50 g de manteiga e 50 g de farinha de trigo. Juntou o líquido dos champignons e mexeu por mais dois minutos. Passou isso por peneira fininha (um chinois), acrescentou 1,5 litro do caldo da carne e dos legumes e meio litro (500 ml) de creme de leite fresco. Reduziu o molho em fogo baixo, mas deixou ralo, sem jamais virar um mingau. É líquido, mesmo.
Agora o final: escorreu a carne, (deixando-a só com 1 litro de seu caldo), jogou fora os legumes e misturou a carne, o litro de caldo reservado e os champignons ao molho (aquele molho feito de farinha, manteiga, caldo de cogumelos, caldo de carne e creme de leite).
Se for servir em seguida, junte uma gema de ovo com as devidas precauções para que ela não talhe. É um prato que eu comeria, único, em prato fundo. Colher e um bom pedaço de pão. E, se acharam complicado, sempre podemos ir ao vale do Loire ver com quantos paus se faz uma canoa. Ou uma blanquette de veau. Obrigada, Jacquin.

ninahort@uol.com.br


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