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GASTRONOMIA
Os gansos estão chegando... em setembro!
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Não dá para contar a história
inteira cada vez que se fala
de uma pessoa. Ou de um prato.
O chef é Erick Jacquin, francês,
nascido em Dur Sur Auron. Bem
no meião da França, junto às vinícolas do vale do Loire. Um dia foi
convidado para vir ao Brasil e comandar um restaurante. Ficou,
fez bonito, ganhou todas as estrelas e medalhas e abriu o Le Café
Antique na rua Haddock Lobo,
1.416, SP, um lugar charmoso e interessante.
Mas o interessante mesmo é a
comida bourgeoise francesa do
chef, bem honesta, e um foie gras
especial. Aliás, faz todo foie gras
muito bem, tem uma grande intimidade com o ganso e com o pato. Aproveitemos para o serviço.
Erick Jacquin realiza seu festival
de foie gras de 22 a 30 de setembro, na hora do jantar, fazendo todos os tipos de foie que inventou
ou traduziu ou repetiu nos últimos 30 anos. Ao fígado dos gansos, minha gente, aos gansos!
No outro dia assisti a uma aula
do Jacquin em que ele fez uma
blanquette de veau, um prato que
a avó ensinou para a mãe, prato
de todo dia, um coxão de vitela
em pedaços, num caldo de legumes fresquíssimos, creme de leite,
champignons de Paris, uma gema
e pronto. Quando provei, era o
céu, a delicadeza do céu. Ultrapassava os ingredientes, era de
uma leveza para comer sem prestar grande atenção, mas toda semana, no dia certo, como costuma ser comida de mãe ou de avó.
Pois bem, cheguei em casa e dei
a receita para quem competia fazê-la e fiquei só esperando a dose
repetida. E o resultado, qual foi?
Pobre, paupérrimo, um mingau
grosso, com gosto de curral, com
a essência condensada do bicho.
Meu Deus, gemi, será preciso ter
uma bisavó e avó e mãe em Dun
Sur Auron para fazer um ensopadinho de vitela? Parbleu! E o encarregado dizia, é assim mesmo,
assisti a uma aula dele, é assim
mesmo. E a coisa, o ensopado era
um Zelig, grudava-se como um
mingau duro na vasilha, era a própria vasilha...
Conheço o poder feroz de um
excesso de roux, de farinha, e não
me fiz de rogada. Telefonei para a
administradora do Jacquin, o anjo da guarda Luciana Tokito, eficiente, que marcou hora com o
atônito cozinheiro. Como?
Aprender a fazer uma blanquette
à la ancienne? Já se nasce sabendo,
é a coisa mais fácil do mundo!!!!
E o bom Jacquin cozinhou para
nós numa imprópria hora de almoço. Atenção e repitam no jantar, que é bom.
Limpou e cortou 1 kg de coxão
duro de vitela do Wessel em cubos médios de 3 cm x 3 cm. Pegou
uma boa panela de ferro fundido
e esmaltado, juntou a carne em
pedaços e cobriu com água fria,
um ou dois dedos acima do nível
da carne. Deixou fervendo por
uns dois minutos (é nesse blanchir que se vai o excesso de alma
do bicho, e ele adquire um sabor
mais domado). Escorreu, lavou
em água fervente, espantando o
resto da bezerrice.
Daí, com carinhos que só um
bom cozinheiro tem, descascou e
lavou 150 g de alho poró, 150 g de
cenoura, 180 g de cebola, lavou
um ramo de salsinha e deixou
com o talo.
Colocou água fria de novo na
panela, juntou a carne, a cebola, o
alho-poró, a cenoura, a salsinha, a
pimenta branca, bastante, umas
oito bolinhas, sal grosso, um ramo de tomilho e uma folha de
louro. Cozinhou a carne por duas
horas com os legumes, fogo baixo, e com a escumadeira ia jogando fora a espuma que se formava
durante o cozimento. A carne ficou molinha de comer com colher, mas reteve seu formato.
Então lavou e picou 300 g de
champignons frescos, sujos de
terra. Salteou em um pouquinho
de manteiga, temperou com sal e
pimenta branca e deixou ali no fogo, meio tampado, soltando água,
por uns cinco minutos. Escorreu
esse pouquinho de líquido dos cogumelos e guardou com cuidado,
para usar depois e aproveitar o sabor.
Daí, outra etapa. Pegou uma frigideira e fez um roux, misturando
numa frigideira, sem dourar, só o
tempo de eliminar o gosto cru da
farinha, 50 g de manteiga e 50 g de
farinha de trigo. Juntou o líquido
dos champignons e mexeu por
mais dois minutos. Passou isso
por peneira fininha (um chinois),
acrescentou 1,5 litro do caldo da
carne e dos legumes e meio litro
(500 ml) de creme de leite fresco.
Reduziu o molho em fogo baixo,
mas deixou ralo, sem jamais virar
um mingau. É líquido, mesmo.
Agora o final: escorreu a carne,
(deixando-a só com 1 litro de seu
caldo), jogou fora os legumes e
misturou a carne, o litro de caldo
reservado e os champignons ao
molho (aquele molho feito de farinha, manteiga, caldo de cogumelos, caldo de carne e creme de
leite).
Se for servir em seguida, junte
uma gema de ovo com as devidas
precauções para que ela não talhe.
É um prato que eu comeria, único, em prato fundo. Colher e um
bom pedaço de pão. E, se acharam complicado, sempre podemos ir ao vale do Loire ver com
quantos paus se faz uma canoa.
Ou uma blanquette de veau. Obrigada, Jacquin.
ninahort@uol.com.br
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