São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008

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Em leilão, Hirst zomba do mercado

Artista britânico coloca 223 trabalhos (todos de 2008) à venda na Sotheby's e leva seu próprio galerista a comprar uma obra

"Eu acho isso um acinte com o público, duvido que algum colecionador sério tenha participado desse leilão", opina a galerista Luisa Strina


Sang Tan - 8.set.08/Associated Press
"PIGS MIGHT FLY" (PORCOS PODERIAM VOAR)
Obra vendida no leilão por US$ 872 mil (cerca de R$ 1,6 milhão), valor abaixo do estimado; cotação estava entre US$ 990 mil e US$ 1,3 milhão (R$ 1,8 mi e R$ 2,4 mi)


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora não tenha alcançado o valor mais alto, a venda da obra "The Broken Dream" (o sonho destruído) pode ser considerada a mais simbólica entre as aquisições de trabalhos do artista britânico Damien Hirst no badalado leilão realizado pela Sotheby's inglesa na segunda e terça-feira desta semana.
A compra realizada por seu próprio galerista, Jay Joplin, da White Cube, sinaliza o fim de uma regra consolidada ao longo do século 20: são os galeristas que vendem as novas obras de seus artistas. Ganhando comissões em torno de 50%, o que já não acontecia com Hirst, que deixava para a White Cube apenas 30%, as galerias estão, agora, no mesmo nível dos leilões.
"É o fim da distinção clássica entre mercado primário e mercado secundário", diz Jones Bergamim, dono da casa de leilão carioca Bolsa de Arte. Leilões sempre pertenceram ao mercado secundário, ou seja, aquele no qual são vendidas obras que originalmente foram compradas por alguém de galerias. Nesta semana, Hirst deu um golpe na história do mercado de arte, colocando em risco o papel dos galeristas.
Das 223 obras à venda, todas deste ano, apenas cinco, segundo um porta-voz da Sotheby's, não foram vendidas. Numa semana de crise econômica mundial, Hirst arrecadou, em dois dias, nada menos que US$ 200,7 mi (R$ 374,8 mi), mais do que os US$ 177,6 mi (R$ 331,6 mi) estimados pela casa.
Do total, a Sotheby's ficou com algo que varia entre 12% e 20%, já que a porcentagem na venda de cada obra varia de acordo com o valor do preço final: 20% entre US$ 20 mil e US$ 500 mil e 12% para o restante. Essa porcentagem é cobrada em cima do chamado "valor de martelo", sendo que o comprador paga a porcentagem para a Sotheby's de acordo com o preço fechado. Hirst, por sua vez, não pagou nenhuma comissão à casa de leilão, o que tampouco é comum.
"Creio que isso será uma tendência para alguns artistas, eu mesma já fui sondada, mas não é algo que me interesse", diz Beatriz Milhazes. A tela "O Mágico", de sua autoria (mas que não mais lhe pertencia), alcançou US$ 1,049 milhão num leilão realizado no início do ano.
E no Brasil, será que a novidade chega logo?
"O Damien Hirst está quebrando um método do mercado de arte moderna, que se consolidou com o galerista Leo Castelli. Aqui, ainda não vai funcionar assim, mas se a Bia Milhazes ou o Cildo Meireles quiserem, eu faço o leilão na mesma hora", diz Bergamim.
"Eu não faria algo desse tipo, porque acho que só ia ter dor de cabeça e não é com isso que eu quero me preocupar. Na arte, o essencial é minha relação com o público, e não com o mercado", afirma Meireles, que no próximo dia 13 abre uma mostra na britânica Tate Modern.
A relação de Hirst com a Sotheby's teve inicio em 2004, quando o artista vendeu todo o conteúdo de seu restaurante londrino The Pharmacy, de copos de Martini a obras de arte, por US$ 19,6 milhões, levando-o a ser considerado, no ano seguinte, a figura mais importante no mundo das artes pela revista britânica "Art Review".
Para o leilão, todas as 223 obras foram produzidas em seus estúdios, com 120 assistentes, que em alguns casos decidem até mesmo a cor de suas famosas "Spot Paintings" (pinturas de pontos). Os valores obtidos no leilão são ainda mais surpreendentes tendo-se em conta que, com tantos assistentes, se sabe que Hirst tem uma produção excedente, estocada na White Cube, com mais de 200 obras -o que chegaria a um valor total de US$ 185 milhões, segundo a publicação "Art Newspaper".
"Eu gosto dessa história do leilão porque vejo isso como uma performance", diz Milhazes. A opinião não é compartilhada pelo curador mexicano Cuauhtémoc Medina, que trabalhou nos últimos seis anos para a Tate: "Eu até acho que o leilão pode ser visto com caráter performático, mas a questão é que, materialmente, as obras não são boas".
Já a galerista Luisa Strina é mais incisiva: "Eu acho isso um acinte com o público, duvido que algum colecionador sério tenha participado desse leilão; ele está rindo dos idiotas que compraram suas obras".
Comentários irônicos, de fato, estão presentes em grande parte dos trabalhos vendidos, como o "The Golden Calf" (o bezerro de ouro), que alcançou o recorde do leilão por US$ 18,6 milhões (R$ 34,2 milhões), já que biblicamente o animal representa a adoração a falsos ídolos. Seus compradores, a maioria, segundo a Sotheby's, da Ásia e da Rússia, sem dúvida elevaram ainda mais o status de Hirst como ídolo. Falso ou não.


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