São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2001

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GASTRONOMIA

VINICULTURA

Marca produz tintos e brancos comparáveis a exemplares franceses

Catena coloca Argentina no mapa mundial de vinhos

JORGE CARRARA
COLUNISTA DA FOLHA

Dona de um conjunto de tintos e brancos concentrados, bem elaborados e em condições de concorrer de igual para igual com exemplares de ponta franceses, australianos e californianos, a marca Catena é em grande parte responsável pela entrada da Argentina no mapa dos vinhos finos do planeta.
As origens da firma platina que os elabora remontam a 1902, quando Nicolás Catena, um imigrante italiano oriundo da cidade de Tolentino, perto do porto de Ancona, na costa do Adriático, compra uma propriedade de 10 hectares a 50 km a sudeste da cidade de Mendoza, na Argentina, e se dedica ao cultivo da vinha.
Domingo, seu primogênito, dá continuidade ao trabalho do pai no comando da firma. Hoje o leme da casa está nas mãos de Nicolás Catena Zapata, 61, seu filho mais velho, responsável pela grande virada dos goles da adega.
Formado em economia, Catena Zapata tentou de início enveredar por uma vida acadêmica. A inesperada morte da sua mãe num acidente de automóvel o obriga, em 1963, a entrar na empresa para amparar o seu pai, abalado pela perda. Mergulha assim de vez na indústria vitivinícola, mas sem abandonar sua vocação original.
Na década de 70, consegue o doutorado na Universidade Columbia, em Nova York, e atua depois como professor convidado na Berkeley, na Califórnia. Foram precisamente as passagens por solo americano que inspiraram a criação de vinhos como os Alta -um tremendo trio integrado por um branco chardonnay e dois tintos, um cabernet sauvignon e um malbec-, capazes de fazer o mundo virar os olhos para os parreirais da Argentina.
Em visita a São Paulo, Nicolás Catena Zapata concedeu uma entrevista à Folha.

A ARGENTINA E O MUNDO:"Quando vivi nos Estados Unidos, me dei conta de que a Argentina estava muito isolada. Que tinha desenvolvido uma idéia do vinho, uma definição do que era qualidade, muito diferente da que o resto do mundo tinha [uma referência, talvez, ao velho estilo dos vinhos argentinos, em geral pesados, sem acidez, sem fruta, sem alma". Dessa forma, apesar de estar em Nova York estudando, descobri o quanto os argentinos estavam isolados, especialmente nesse tema do vinho, do resto do mundo".

MONDAVI: "Casualmente, em 81, fui a Berkeley. Comecei a ir a Napa Valley por curiosidade. Lá me encontrei com Robert Mondavi [renomado produtor norte-americano" e os que estavam com ele, que haviam desenvolvido a idéia de que, com esforço e investimentos, podiam elaborar alguns vinhos que competissem com os franceses. Depois, a história demonstrou que ele tinha razão. Pensei: "Se este homem fez isto [aqui", por que não [repeti-lo" na Argentina?".".

A VOLTA A MENDOZA: "Em 1983, iniciei um projeto para produzir o que chamei de qualidade internacional. Esqueci do gosto argentino e me propus a fazer algo para ver se tinha algum lugar no mundo. A primeira coisa que fiz foi pesquisar. A relação entre microclima e qualidade era um tema muito pouco estudado na época. Tive que partir do zero. Começamos a moer uvas de distintos lugares e a estudar os resultados. Tinha técnicos muito bons, mas não tínhamos uma cultura do que era a viticultura e a vinificação".

OS CONSULTORES: "Decidi então contratar consultores, algo que ninguém tinha feito na Argentina. Busquei um consultor de Napa [Paul Hobbs, um especialista em chardonnay", um consultor francês [Jacques Lurton, de Bordeaux, para os cabernet" e um italiano [Atílio Pagli, com experiência em uvas sangiovese, talvez porque o seu pai, Domingo, achava que os tintos malbec, uma especialidade Argentina, tinham similaridade com alguns vinhos italianos"".

O PRIMEIRO SUCESSO: "Minha mulher, Elena, foi vender o vinho [a primeira safra comercializada dos novos exemplares foi a de 90" nos Estados Unidos. O nosso chardonnay custava US$ 13. O distribuidor de Boston disse que, para vender um vinho sul-americano a esse preço, tinha que ser do mesmo nível que um californiano de US$ 26. Um pouco audaz e um pouco inconsciente, ela perguntou se queria compará-lo. Abriram um Acácia [um belo chardonnay americano da época". O [nosso" vinho agradou e, pela primeira vez, um vinho sul-americano passou a barreira dos US$ 10".

O BRASIL: "Descobri que o consumidor brasileiro se converteu, nos últimos anos, num grande apreciador de vinhos de qualidade. Estou vendo [o Brasil" como um mercado importante para nossos produtos".
Nicolás Catena Zapata falou também da sua nova adega -construída nos moldes da arquitetura maia- e também em produzir vinhos diferenciados, com personalidade própria, não mais na linha proposta por Mondavi, de elaborar brancos visando os da Borgonha e tintos tendo como alvo os de Bordeaux.
Mas, por enquanto, a influência do mentor Mondavi parece continuar na casa. A nova cantina tem um (belíssimo) recinto para as barricas, com os tonéis dispostos em fileiras curvas, com uma sala de degustação munida de grandes janelas olhando para ela, que evoca a de Opus One, a vinícola da joint venture entre Mondavi e Mouton-Rothschild, que produz em Napa um dos melhores tintos americanos.
Tal como ele, Catena ensaia uma sociedade com os gauleses, neste caso com Eric de Rothschild, proprietário do Château Lafite, renomada propriedade bordalesa, para produzir um novo tinto corte de cabernet sauvignon e (é claro) malbec. Aguardem.


Os vinhos Catena são importados pela Mistral: tel. 0/xx/11/3285-1422, em SP; 0/xx/21/2274-4562, no Rio



O colunista Jorge Carrara viajou a Mendoza a convite do grupo Catena



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