São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Na exposição "Happyland Vol. 2", Isay Weinfeld e Marcio Kogan subvertem tema da Bienal de 2002

Mostra ironiza a violência da metrópole

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Logo na entrada, você se depara com um detector de metais. Passa por ele despreocupadamente, mas, dos monitores, vem a surpresa: você entrou, sim, no Museu da Casa Brasileira, carregando um revólver, que é mostrado de maneira inequívoca na tela.
Lá na frente, mais surpresas. As 12 obras da exposição são iluminadas por lâmpadas com sensores. Quando você se aproxima de qualquer uma delas, a lâmpada se acende, e uma sirene é acionada.
Esse clima de deboche cáustico permeia toda a mostra "Happyland Vol. 2", dos arquitetos Isay Weinfeld e Marcio Kogan, que abre amanhã e fica em cartaz até 14 de novembro. O tema é a violência urbana, como o texto de introdução do evento deixa claro, enfileirando com crueza estatísticas de estupro, homicídio e seqüestro nas grandes cidades brasileiras. "Com 3% da população mundial, o Brasil é responsável por 13% dos assassinatos cometidos do planeta. Sejam bem-vindos à Happyland!"
Happyland era o nome da megalópole distópica em maquete criada pela dupla para a 25.ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2002. Naquela ocasião, a Bienal resolveu retratar 11 diferentes metrópoles do planeta, abrindo ainda espaço para uma 12ª, um espaço inexistente e utópico.
Weinfeld e Kogan conceberam, então, Happyland como o local em que seria possível "aquela vidinha pacata, de cidade do interior", e equiparam sua urbe com itens como as Novas Torres Gêmeas (em vez de verticais, eram deitadas, "para que elas não atrapalhem o trajeto dos aviões").
""Happyland Vol. 2" reúne os objetos do dia-a-dia de Happyland. Estamos olhando para aquela cidade em outra escala", diz Kogan, no registro entre sério e burlesco que caracteriza o depoimento dos autores. "O futuro é isso. Você não vai mais querer equipamento de som ou TV."
"Trata-se de objetos de consumo, e estão todos à venda", afirma Weinfeld, enquanto passeia entre as duas guaritas planejadas para pessoas de diferente poder aquisitivo, a Maison Mouton-Marchetin, "para mansões de fino trato", e a Soho-Loft, mais "acessível".
A galhofa atinge eventos como a Casa Cor, à qual é feita uma alusão quase explícita no Carro-Cor, idealizado pelo "famosérrimo decorador Juvenildo Lamberto", personagem da dupla, que redecora o porta-malas de um carro visando o conforto do seqüestrado. "A idéia era ter expostos vários carros, cada qual decorado de uma forma", ironiza Weinfeld.
"Já temos várias encomendas do kit-assalto", brinca Kogan, a respeito da mala 007 que, em três modelos (Gold, Luxo e Pé-de-Boi), reúne tudo o que o assaltante necessita. "Tendo em vista a ansiedade das pessoas em consumir, nós damos a elas a felicidade de adquirir", emenda Weinfeld.
"Nas exposições anteriores, as pessoas iam rindo até a porta do museu, mas passavam a chorar a partir do momento em que pegavam o carro", continua Weinfeld. "As pessoas estão anestesiadas com os absurdos da realidade e passam batidas por muita coisa. A gente acha que isso é absurdo, mas é mais real do que a gente imagina. De "Arquitetura e Humor", teve um candidato a prefeito que chupou quatro de nossas idéias "absurdas" e incorporou a seu programa de governo."
"Arquitetura e Humor" (95) foi a exibição da dupla (que já havia feito, em 88, o filme cult "Fogo e Paixão"), com maquetes propondo soluções para os problemas urbanos de São Paulo, como a pavimentação do rio Tietê.
Em 98, veio "Arquitetura Ornitológica", com 15 casas de passarinhos-símbolo da era FHC -a casa do tucano tinha a forma do Palácio da Alvorada. Três anos depois, "Umore und Architektur" trazia soluções brasileiras para cidades estrangeiras, como o "Respeita-Fila", trem urbano idealizado para Genebra, na Suíça.
"Happyland Vol. 2" marca o salto, pela primeira vez, das maquetes para objetos de tamanho real. "Mudam os meios que escolhemos para nos exprimir, mas, no fundo, cinema, maquetes e arte conceitual são a mesma coisa, traduzem um jeito de ver o mundo", explica Weinfeld. "Estudantes vêm às nossas exposições para ver que a arquitetura pode ser falada de outras formas."


HAPPYLAND VOL. 2 - Exposição de Isay Weinfeld e Marcio Kogan. Abertura: amanhã, às 19h. Quando: de 20 de outubro a 14 de novembro, de ter. a dom., das 10h às 18h. Onde: Museu da Casa Brasileira (av. Brigadeiro Faria Lima, 2.705, tel. 0/xx/11/3032-3727). Quanto: R$ 4 (entrada franca aos domingos).


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