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DRAUZIO VARELLA
Sexo e morte
Tudo o que nasce um dia vai
morrer. Parece verdade universal, mas está longe de sê-lo. A
morte não apareceu simultaneamente com a vida na Terra. A
constatação de que ambos os
acontecimentos possam existir de
forma independente é um dos
princípios mais importantes da
biologia.
No mundo que nos cerca, estamos tão habituados ao ciclo de
nascimento, amadurecimento e
morte que o aceitamos como destino definitivo de todos os seres vivos. Uma espécie de caminho
preestabelecido por capricho da
natureza ou por um criador
transcendental, como preferem
muitos.
De fato, plantas, mosquitos, cobras, pássaros e homens morrem
inexoravelmente, depois de um
período variável de tempo: poucos dias, se for um inseto; alguns
anos, no caso dos mamíferos.
Embora possa se extinguir a
qualquer momento, por obra do
acaso, a vida nessas espécies confirma a impressão de trazer com
ela uma programação prévia de
duração máxima. Alheia às virtudes do indivíduo -vencido esse período-, a morte cobra seu
tributo impiedoso.
Do ponto de vista biológico, no
entanto, durante 3 bilhões de
anos a vida na Terra conheceu
apenas a morte acidental: por falta de nutrientes, variação de temperatura ou mudança drástica na
composição do meio. Nesse período, desde que as condições externas permanecessem favoráveis, a
imortalidade não era sonho inatingível.
Dos primeiros seres vivos, formados há 4 bilhões de anos, até
mais ou menos 1 bilhão de anos
atrás, quando apareceram as primeiras espécies constituídas por
agrupamentos de células, a Terra
foi povoada exclusivamente por
seres unicelulares.
Na evolução, os primeiros organismos a aparecer foram as bactérias, formas primitivas de vida de
tanto sucesso ecológico que não só
estão aí até hoje como representam metade da biomassa terrestre, isto é, metade da soma dos pesos de todas as espécies existentes,
incluindo árvores, baleias, elefantes e mais.
A estratégia evolucionista das
bactérias foi a simplicidade. São
constituídas por um material genético circular (DNA), protegido
por uma membrana externa e
mais nada.
Para se reproduzir, a bactéria-mãe faz uma cópia do material
genético, alonga o corpo, adquire
a forma de um oito e se divide em
duas bactérias-filhas, portadoras
de DNA idêntico ao da mãe que o
duplicou.
Em obediência cega ao mandamento supremo da vida: "crescei e
multiplicai-vos", as bactérias-filhas também duplicarão seus
DNAs e formarão quatro netas da
ancestral, que lhes darão oito bisnetas, depois 16, 32, 64... Pode-se
falar em morte obrigatória, inseparável da vida, nesse caso?
Se você fosse capaz de se dividir
em duas cópias idênticas, poderíamos dizer que você morreu?
Onde estaria seu cadáver?
Na competição imposta pela seleção natural, a desvantagem
desse tipo de divisão está na
igualdade. Descontados os pequenos erros ocorridos na duplicação
do DNA materno, as bactérias-filhas são em tudo idênticas às
mães.
Numa colônia de seres geneticamente iguais, qualquer alteração
das condições do meio pode ser
fatal à comunidade inteira, incapaz de se adaptar.
As bactérias são máquinas de
copiar DNA para a multiplicação.
Podem fazê-lo a cada 30 minutos.
Se não morressem por acidente,
em 4 bilhões de anos teriam tido
tempo para inundar a Terra e o
espaço sideral. Desde que as condições externas permaneçam favoráveis, no entanto, a morte como parte de um programa preestabelecido não existe entre elas.
Essa incapacidade coletiva de
adaptação que a identidade genética traz não resistiu à pressão
seletiva, que resultou no aparecimento dos primeiros seres multicelulares, no último bilhão de
anos.
Indivíduos formados por muitas células se reproduzem de forma mais complexa. Neles, o DNA
não costuma fazer cópias inteiras
de si mesmo para transmiti-las à
descendência, como nas bactérias. Ao contrário, a molécula de
DNA se divide ao meio para destinar aos filhos apenas metade das
informações genéticas do organismo-mãe. Salvo raras exceções,
a maternidade solitária é impossível para os seres multicelulares.
Em busca da possibilidade de
criar indivíduos geneticamente
díspares, mais versáteis para enfrentar os rigores da seleção natural, a multicelularidade inaugurou o sexo na face da Terra.
Embora a morte como acidente
possa abreviar a duração da vida
em todas as espécies, apenas a reprodução sexual está irreversivelmente associada à morte pré-programada, inevitável, como se os
genes herdados de nossos pais nos
impusessem o dever natural de
nos retirarmos um dia para deixar espaço aos descendentes.
O sexo inventou a morte inexorável.
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