São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2000

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"O DECÁLOGO"
Coletânea é amostra significativa da ficção atual

BERNARDO AJZENBERG
DIRETOR DE CONTEÚDO DA FOLHA ONLINE

Nas ondas da ficção temática, a editora Nova Alexandria convidou escritores a criarem contos cada qual para um dos dez mandamentos bíblicos. O resultado é a coletânea "O Decálogo, Dez Mandamentos, Dez Histórias", lançada neste mês.
O volume, ao reunir autores de gerações e tendências narrativas diversas, procura compor, ressalta a apresentação, "um apanhado sintético mas representativo da melhor produção contística brasileira em nossos dias".
Claro que há aí um exagero. Escritores mais representativos do que um ou outro presentes ficaram de fora. De todo modo, vale como amostragem significativa.
Juntam-se nomes consagrados (como Ivan Ângelo, Moacyr Scliar, Carlos Nejar, Luiz Vilela) a outros da geração 90 (Marçal Aquino, João Carrascoza, José Roberto Torero, Marcelo Coelho). Em nenhuma dessas categorias se encaixa Frei Betto, convidado, imagina-se, mais pela temática "teológica" do que pela presença literária (ainda que seja também autor de ficção).
Por outro lado, a coletânea marca o retorno de Márcia Denser, contista paulistana surgida com furor e enorme repercussão na década de 80 e que, de modo aparentemente inexplicável, havia desaparecido de cena.
É dela, aliás, uma das passagens curiosas do livro, em que escreve o conto "Adriano.com" a partir do sexto mandamento ("Não cometerás atos impuros"):
"Nesses tempos ruços impõe-se o maldito patrulhamento em nome de "sexo-seguro-anti-aids" e é tão eficiente que Moisés teria vergonha do seu decálogo e respectivas interdições e ameaças com o fogo da geena, imagine, que o inferno é aqui mesmo, onde é quase impossível materializar o corpo do desejo, convertido numa espécie de martírio tantalizante de ter tudo tão perto e, ao mesmo tempo, inatingível".
Apesar de agradável e interessante, deve-se observar que o livro não expressa o que de melhor cada um de seus autores tem produzido. Talvez isso resulte dos prazos apertados, talvez da própria imposição temática.
A maioria dos contos, note-se também, toca no tema da morte, ainda que alguns o façam com bom humor. Isso parece exprimir o quanto se carrega de morbidez, mesmo involuntariamente, quando se procura tratar de temas bíblicos, em especial de culpas e interdições.
A rigor, não seria equivocado supor esse tema como inescapável em qualquer tentativa de "atualizar" as leis mosaicas por meio de parábolas. O argentino Ernesto Sabato, em "O Escritor e seus Fantasmas", ajuda a explicar:
"O homem de hoje vive em alta tensão, ante o perigo da aniquilação e da morte, da tortura e da solidão. É um homem de situações extremas, chegou ou está frente aos limites últimos de sua existência. A literatura que o descreve e interroga não pode ser, pois, senão uma literatura de situações excepcionais".


O Decálogo
    Autor: vários Editora: Nova Alexandria Quanto: R$ 16 (119 págs.)




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