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"O DECÁLOGO"
Coletânea é amostra significativa da ficção atual
BERNARDO AJZENBERG
DIRETOR DE CONTEÚDO DA FOLHA ONLINE
Nas ondas da ficção temática, a editora Nova Alexandria convidou escritores a criarem contos cada qual para um
dos dez mandamentos bíblicos. O
resultado é a coletânea "O Decálogo, Dez Mandamentos, Dez Histórias", lançada neste mês.
O volume, ao reunir autores de
gerações e tendências narrativas
diversas, procura compor, ressalta a apresentação, "um apanhado
sintético mas representativo da
melhor produção contística brasileira em nossos dias".
Claro que há aí um exagero. Escritores mais representativos do
que um ou outro presentes ficaram de fora. De todo modo, vale
como amostragem significativa.
Juntam-se nomes consagrados
(como Ivan Ângelo, Moacyr
Scliar, Carlos Nejar, Luiz Vilela) a
outros da geração 90 (Marçal
Aquino, João Carrascoza, José
Roberto Torero, Marcelo Coelho). Em nenhuma dessas categorias se encaixa Frei Betto, convidado, imagina-se, mais pela temática "teológica" do que pela
presença literária (ainda que seja
também autor de ficção).
Por outro lado, a coletânea marca o retorno de Márcia Denser,
contista paulistana surgida com
furor e enorme repercussão na
década de 80 e que, de modo aparentemente inexplicável, havia
desaparecido de cena.
É dela, aliás, uma das passagens
curiosas do livro, em que escreve
o conto "Adriano.com" a partir
do sexto mandamento ("Não cometerás atos impuros"):
"Nesses tempos ruços impõe-se
o maldito patrulhamento em nome de "sexo-seguro-anti-aids" e é
tão eficiente que Moisés teria vergonha do seu decálogo e respectivas interdições e ameaças com o
fogo da geena, imagine, que o inferno é aqui mesmo, onde é quase
impossível materializar o corpo
do desejo, convertido numa espécie de martírio tantalizante de ter
tudo tão perto e, ao mesmo tempo, inatingível".
Apesar de agradável e interessante, deve-se observar que o livro não expressa o que de melhor
cada um de seus autores tem produzido. Talvez isso resulte dos
prazos apertados, talvez da própria imposição temática.
A maioria dos contos, note-se
também, toca no tema da morte,
ainda que alguns o façam com
bom humor. Isso parece exprimir
o quanto se carrega de morbidez,
mesmo involuntariamente, quando se procura tratar de temas bíblicos, em especial de culpas e interdições.
A rigor, não seria equivocado
supor esse tema como inescapável em qualquer tentativa de
"atualizar" as leis mosaicas por
meio de parábolas. O argentino
Ernesto Sabato, em "O Escritor e
seus Fantasmas", ajuda a explicar:
"O homem de hoje vive em alta
tensão, ante o perigo da aniquilação e da morte, da tortura e da solidão. É um homem de situações
extremas, chegou ou está frente
aos limites últimos de sua existência. A literatura que o descreve e
interroga não pode ser, pois, senão uma literatura de situações
excepcionais".
O Decálogo
Autor: vários
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 16 (119 págs.)
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