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TEATRO
Ao navegar o rio para ver o espetáculo, público se impressiona com a paisagem; Vertigem faz último ensaio aberto
Rio Tietê é o "primeiro-ator" em "BR3"
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A água escura, o lixo flutuante,
as pontes de concreto vistas de
baixo, os faróis dos carros que parecem andar em câmara lenta nas
marginais: o rio Tietê e sua paisagem monumental roubam a cena
como um "primeiro-ator" em
"BR3", novo espetáculo do grupo
Teatro da Vertigem.
"Estou no rio da minha cidade,
onde nunca tinha entrado. Onde
pessoas da minha família, meus
avós, já nadaram. Daqui do barco,
é um contraste saber que chegamos ao esgoto. É mais um esgoto
do que um rio", diz o representante comercial Antônio Luiz
Gonçalves Junior, 39, ao final de
uma apresentação.
Hoje é o último dia de ensaio
aberto (os ingressos estão esgotados). A montagem deve estrear
em fevereiro.
"Quando o pessoal da minha
geração via o rio Tietê, a gente
nunca pensava que um dia poderia navegar nele. O espetáculo já
me pegou por aí", diz a produtora
cultural Áurea Karpor, 26.
Ela se deixou levar mais pelo
impacto visual (direção de arte de
Márcio Medina e desenho de luz
de Guilherme Bonfanti). Parte da
cenografia é feita de material reciclado. "As garrafas pet que via no
leito do rio também estavam no
cenário", afirma Karpor, que disse ter ficado impressionada com a
movimentação dos 13 atores.
Alguns deles iam da margem
para o barco, e vice-versa, em botes nem sempre notados pelo grupo de cerca de 50 espectadores
embarcados no Almirante do Lago, que também abriga cenas em
seus três pavimentos. A equipe
tem 70 pessoas, entre artistas, técnicos, marinheiros e seguranças.
Antes de embarcar, o professor
Marcelo Henrique Pereira dos
Santos, 31, queria saber como o
grupo articularia as três regiões
do país em que foi a campo para
conceber o novo espetáculo: a cidade de Brasiléia (AC), Brasília e o
bairro de Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo.
"Só existe Brasilândia porque
existe Brasília, e só existe Brasiléia
porque existe Brasilândia. Acho
que tudo isso está amarrado: a necessidade de inventar a cidade
perfeita, a religião perfeita, tudo é
fruto da complexidade social do
nosso país, para o bem e para o
mal", afirma Santos, morador em
Brasilândia.
Criada em processo de colaboração, a dramaturgia de Bernardo
Carvalho percorre três gerações
da família de Jovelina (Marília de
Santis). Nos anos 60, ela deixa o
Nordeste em busca do marido,
que morre durante a construção
de Brasília. Segue para São Paulo,
onde se torna chefe do tráfico.
A trajetória dela e dos dois filhos, Jonas (Roberto Áudio) e Helienay (Daniela Carmona), vai até
os anos 90 e passa pela triangulação dos radicais "BR" no mapa.
Cada personagem segue seu caminho. Cruzam-se às vezes. Noutras, têm seus trajetos modificados, por exemplo, pela Evangelista (Cácia Goulart) e pelo Dono
dos Cães (Sérgio Siviero), um policial. A peça entremeia passado e
presente, com cenas dentro e fora
do barco.
Uma das cenas-síntese de
"BR3" talvez seja aquela em que
um Jonas imberbe e o Barqueiro
(Sérgio Pardal) disparam com a
voadeira num redemoinho que
põe todos em suspenso, espectadores que giramos por tabela.
O Brasil parece ter tomado um
chá de cipó ou devotar tudo ao
deus-dará. "Esse país não se enxerga", diz um personagem. O espetáculo termina com o público
no convés superior, a céu aberto,
debaixo do "x" das pontes do
complexo Ulysses Guimarães, na
rodovia dos Bandeirantes. Um
"x" que é ponto final?
Para realizar o sonho (ou pesadelo?) desta produção, o Vertigem tem apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, da
Transrio Navegação Fluvial e do
Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE).
BR3 - ensaio aberto
Onde: rio Tietê (informações na
secretaria do Teatro da Vertigem (r.
Roberto Simonsen, tel. 0/xx/11/3241-3132)
Quando: hoje, às 19h (se não chover)
Quanto: grátis (ingressos esgotados)
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