São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

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Um bonde chamado rolê

Trio de jovens de Curitiba conquista estrangeiros com som que mistura funk carioca, rock e eletrônica; turnê européia começa hoje

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Rodrigo Gorky (à esq.), Marina Ribatski e Pedro D'Eyrot gravam o clipe "Solta o Frango" no Rio


LAURA MATTOS
THIAGO NEY

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma garrafa de vodca, um microfone comprado por R$ 50 na Igreja Universal e um monte de palavrões. Assim surgiu o mais novo fenômeno pop do Brasil. Formado por três universitários de Curitiba, o Bonde do Rolê vai virar assunto no país neste ano, mas desde 2006 é tratado com badalação nos Estados Unidos e na Europa.
O sucesso foi instantâneo. Sem empresário, sem gravadora e poucos meses depois de se embriagarem no sofá para compor a primeira música, os guris tomaram um susto: foram elogiados pela revista norte-americana "Rolling Stone", bíblia da cultura pop. Não muito tempo depois, outro elogio, desta vez no diário "The New York Times".
O motivo de tanta empolgação é até simples: o trio mistura funk carioca desbocado com rock e música eletrônica.
Além disso, há o aspecto inusitado da coisa: são três garotos de classe média de Curitiba, que não levam o menor jeito para dançar e rebolar, cantando funk, gênero normalmente associado aos morros do Rio.
Com tudo isso e com o fato de falarem inglês fluente, tornaram-se cult para os gringos.

Funk?!
A primeira música de Rodrigo Gorky, 26, Pedro D'Eyrot, 23, e Marina Ribatski, 22, aquela regada a vodca em meados de 2005 , foi a "Dança da Ventoinha", gravada com um microfone adquirido numa loja da Igreja Universal com acessórios de gospel. Era um funk "só para zoar". "Quando mostrei pra minha mãe, ela falou: "Funk?!". Eu era xiita do rock", diz Marina.
Eles só tinham mais outra música, "Melô do Roborock", quando foram chamados para se apresentar numa festa num iate em Florianópolis (SC).
"A uma semana do show não tínhamos feito mais nada. Aí percebemos que a batida do hard rock se encaixava com a do funk. Começamos a freqüentar uma lanchonete vagabunda de Curitiba, Lanche do Rolê, onde só tocava hard rock. Íamos lá para ver o que poderíamos samplear [retirar pedaços de uma música para colocar em outra]", conta Pedro.
Daí surgiram outras músicas para o show e o nome da banda.
"Nossa única intenção era ir de graça a Florianópolis. Não tinha idéia de como cantar funk", confessa Marina.

Internet e Tigrona
Eles depois colocaram as músicas no site de relacionamento MySpace. A internet foi fundamental. De amigo em amigo, o Bonde chegou aos ouvidos de Diplo, badalado DJ norte-americano fascinado por funk carioca. "Ele ouviu "Melô do Tabaco" e pirou. Disse: "Quem são esses caras que misturam [a banda grunge] Alice in Chains com funk carioca?". Quando veio tocar no Brasil, disse que queria nos conhecer", explica Rodrigo Gorky.
Diplo ficou tão interessado que contratou o trio para sua gravadora, lançou um single do Bonde nos EUA e levou o grupo para uma turnê pelo país. Nessa excursão, eles dividiram palco com o Cansei de Ser Sexy, o outro fenômeno pop do Brasil.
Até hoje, foram mais de 50 shows no exterior. Por que tanto frisson em cima de algo que começou como brincadeira? "Sou péssima dançarina, mas acho que a graça está nisso. Só depois vi DVDs de funk carioca. Não me interessava", diz Marina. "Quando viajamos ao Rio para ir a bailes funk, queriam me levar para aprender a dançar com as irmãs da Deize Tigrona. Nem a pau. Não vou aprender a dançar funk, sou muito descoordenada."
Marina é descoordenada, mas nos shows exibe energia impressionante. Ela pula, grita, se joga no chão, na platéia.
"Nós falamos muito em inglês com o público. Tem gente do funk que vai para lá, dança e vai embora", conta Pedro.
No final de 2006, eles assinaram contrato com a gravadora inglesa Domino (a mesma das conhecidas bandas Franz Ferdinand e Arctic Monkeys).
Neste ano, o Bonde está com a agenda lotada. A banda acaba de gravar o primeiro clipe, "Solta o Frango", e hoje embarca para shows em Londres. Há apresentações e entrevistas marcadas para Berlim, Amsterdã, Estocolmo e Lisboa. Serão ao menos sete meses fora do Brasil neste ano. Em 19 de março, sai na Europa o primeiro single, de "Solta o Frango"; em 21 de maio, lançam o segundo, "Office Boy". O disco de estréia, "Bonde do Rolê with Lasers", chega às lojas européias em 4 de junho. No Brasil, negociam com uma grande gravadora.

Funk no "Faustão"
Apesar do sucesso lá fora, o trio acredita que terá dificuldade em ter suas músicas tocadas nas rádios e TVs daqui devido às letras cheias de baixarias.
"Lá fora as pessoas não consomem necessariamente o que aparece na televisão, porque estão mais ligadas à internet. No Brasil, enquanto você não tocar no "Faustão", será underground", disse Pedro.
Marina até toparia virar "tchutchuca" para dançar de shortinho no Faustão. "Se me pagarem uma lipo, acharia incrível! Quando soube que ganharia dinheiro com os shows, disse aos meninos: "Vou colocar peitos'", brinca a vocalista.
"Eu quero migrar para celebridade B, porque ser celebridade C é f...", emenda Pedro.

Nem aí
Sobre as letras pesadas, que horrorizam até seus próprios familiares (leia texto ao lado), a banda dá de ombros. "Estamos cagando se as pessoas pensam que essas músicas não servem para tocar em rádio ou TV", diz Marina. "Disseram que tinha um cara da Som Livre [gravadora da Globo] atrás da gente. Tenho certeza de que ele nunca tinha ouvido nenhuma música nossa. Imagina o CD "Bonde do Rolê Novelas"..." Pedro se empolga: "Iria exigir participação na "Malhação'".


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