São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011

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Autora descreve rejeição a chinesinhas

Xinran narra episódios reais de famílias que abandonaram bebês do sexo feminino, prática milenar na China

Leis do país priorizam homens e levam pais a matar ou desprezar recém-nascidas; ONG da escritora apoia adoções

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Em 1989, numa viagem de trabalho por rincões da China, a jornalista Xinran ouviu pela primeira vez a expressão "resolver uma bebezinha".
No mesmo ano, ao entrevistar camponeses na província oriental de Shandong, ela presenciou uma família "resolver uma bebezinha", ou seja, matá-la.
O episódio, descrito parcialmente no quadro ao lado, está no livro "Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida", lançado no Brasil pela Companhia das Letras.
Ex-apresentadora de um programa de rádio voltado a mulheres em Nanquin, Xinran partiu da experiência real de suas ouvintes para montar o painel de dez histórias relatadas na obra, todas sobre o sofrimento de mães que abandonaram filhas.
Em muitas regiões da China, bebês do sexo feminino ainda são tidas como um estorvo pelas famílias.
O motivo é uma cultura milenar que se reflete na legislação patriarcal do país: ao distribuir terras, o Estado prioriza famílias com filhos homens. Como desde 1979 há também a política do filho único, que pune com taxas quem tiver mais de um descendente, as famílias só querem ter meninos.
O infanticídio é o recurso extremo, restrito a lugares remotos do que a autora chama de "China profunda". Bem mais corriqueira é a prática de dar para adoção, ou simplesmente abandonar na rua, as chinesinhas -igualmente mais corriqueira no campo do que nas cidades.
Como consequência, havia, em 2007, 120 mil crianças chinesas adotadas pelo mundo -mais de 90% mulheres, segundo a autora. Mas o vertiginoso crescimento econômico e a modernização da China não alteraram o quadro? Em entrevista por telefone, de Londres, onde vive desde 1997, Xinran afirma que "não há uma China, mas várias".
"Há de fato uma grande mudança nos últimos 20 anos, mas ela acontece nas cidades. Se você viaja cinco horas de carro pelo interior, volta 200 anos no tempo."
Ainda assim, diz que o número de adoções está em queda e conta que, em visita recente ao país, viu chineses dando bebês homens para adoção por ocidentais, "algo novo e surpreendente".
Xinran, 52, envolveu-se ela própria com a causa. Primeiro na China, ao adotar durante três meses uma bebê órfã, cuja mãe morreu no parto e o pai se suicidou, "para morrer junto à mulher". Foi obrigada a devolver "Floco de Neve" (nome dado à garota), que visitou depois num orfanato até perder vestígio.

CHORO
Na entrevista, a escritora, mãe de um filho de 23 anos, se mostrou emocionada ao falar de "Floco de Neve". Embargou a voz e disse que chorava. "Continuo a procurá-la. Meu coração ficaria em paz em saber que ela está bem."
Há cinco anos, Xinran fundou em Londres a ONG Mother's Bridge of Love, para introduzir à cultura chinesa as famílias ocidentais que adotam chineses e intermediar relações dos filhos com famílias biológicas.
O sentimentalismo da narrativa turva em muitos pontos a força das histórias de "Mensagem...", cujo texto parece também ser afetado pela tradução (embora aparentemente boa) de segunda mão, a partir do inglês.

MENSAGEM DE UMA MÃE CHINESA DESCONHECIDA
AUTORA Xinran
TRADUÇÃO Caroline Chang
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 42 (272 págs.)



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