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COMENTÁRIO
Quem vamos convocar a seguir? Rambo?
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
O documentário que
o "Fantástico" exibe
hoje, sobre o envolvimento
de crianças e adolescentes
com o tráfico de drogas, dificilmente deixará de chocar
os milhões de espectadores
da Globo. É possível antever
reações fortes. Quem sabe,
até notícias no exterior.
A estupidez que a "lei" do
narcotráfico impõe ao cotidiano das favelas cariocas e
de outras áreas pobres do
país já é conhecida, mas será
mostrada em sua face mais
cruel e intolerável, que é o
aniquilamento da infância.
"Cidade de Deus" enfocou o
assunto, mas em se tratando
de documentário -e não de
uma obra ficcional- a tendência é que o impacto seja
ainda mais potente.
É bom que a sociedade se
choque com essa realidade
estúpida que se ergueu sobre
a incompetência e a corrupção dos poderes públicos. A
pressão social é um elemento importante para que as
coisas possam mudar.
A questão é saber para que
tipo de mudança esse sentimento de saturação será dirigido. A falta de visão e a
torturante incapacidade dos
governantes de formular e
implantar um projeto de restauração da cidadania e do
Estado nos territórios ocupados pelo tráfico têm inclinado setores da população a projetar o alívio do problema em ações militares -já
que as policiais se mostram
pouco eficientes.
A exibição do documentário na seqüência da operação do Exército no Rio talvez
reforce o apoio a novas intervenções semelhantes.
As Forças Armadas têm
um papel a cumprir no processo de restauração -ou
de implantação- da República nessas áreas controladas pelo narcotráfico. Mas
apenas se esse papel estiver
inscrito no contexto de um
projeto maior, que de fato
faça sentido.
A repetição pura e simples
do teatro (em todas as acepções) de guerra a que temos
assistido, poderia levar à
contaminação pelo tráfico
de setores militares (o que,
aliás, já vai ocorrendo) e à
posterior constatação de que
o Exército por si só não irá
resolver a questão. Se a população, já descrente da polícia, não tiver suas expectativas atendidas pelas invasões militares, quem chamaremos a seguir? Mr. Rambo?
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