São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMENTÁRIO

Quem vamos convocar a seguir? Rambo?

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA

O documentário que o "Fantástico" exibe hoje, sobre o envolvimento de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas, dificilmente deixará de chocar os milhões de espectadores da Globo. É possível antever reações fortes. Quem sabe, até notícias no exterior.
A estupidez que a "lei" do narcotráfico impõe ao cotidiano das favelas cariocas e de outras áreas pobres do país já é conhecida, mas será mostrada em sua face mais cruel e intolerável, que é o aniquilamento da infância. "Cidade de Deus" enfocou o assunto, mas em se tratando de documentário -e não de uma obra ficcional- a tendência é que o impacto seja ainda mais potente.
É bom que a sociedade se choque com essa realidade estúpida que se ergueu sobre a incompetência e a corrupção dos poderes públicos. A pressão social é um elemento importante para que as coisas possam mudar.
A questão é saber para que tipo de mudança esse sentimento de saturação será dirigido. A falta de visão e a torturante incapacidade dos governantes de formular e implantar um projeto de restauração da cidadania e do Estado nos territórios ocupados pelo tráfico têm inclinado setores da população a projetar o alívio do problema em ações militares -já que as policiais se mostram pouco eficientes.
A exibição do documentário na seqüência da operação do Exército no Rio talvez reforce o apoio a novas intervenções semelhantes.
As Forças Armadas têm um papel a cumprir no processo de restauração -ou de implantação- da República nessas áreas controladas pelo narcotráfico. Mas apenas se esse papel estiver inscrito no contexto de um projeto maior, que de fato faça sentido.
A repetição pura e simples do teatro (em todas as acepções) de guerra a que temos assistido, poderia levar à contaminação pelo tráfico de setores militares (o que, aliás, já vai ocorrendo) e à posterior constatação de que o Exército por si só não irá resolver a questão. Se a população, já descrente da polícia, não tiver suas expectativas atendidas pelas invasões militares, quem chamaremos a seguir? Mr. Rambo?


Texto Anterior: Garotos em guerra
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.