São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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MÔNICA BERGAMO

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Rosana Penna ajeita o vestido, a camareira Zezé ajuda Annamaria Dias e Carlos Mariano procura o smoking para a cena final da peça

Bastidores são (quase) tão engraçados quanto a peça "Trair e Coçar É Só Começar", espetáculo que completa 20 anos em cartaz e por onde já passaram 76 atores

Coçar e coçar e coçar...

O arranjo de gérberas amarelas e vermelhas está sobre a mesa do cenário. Faltam duas horas para a sessão marcada para celebrar os 20 anos da peça "Trair e Coçar É Só Começar", no teatro Sérgio Cardoso. Os nove atores estão de papo no palco -e nada de ensaio. "Alguém sabe me dizer se a gente já fez a peça nesse teatro?", grita a atriz Annamaria Dias, em meio à confusão de vozes. O ator César Pezzuoli brinca: "E onde é que a gente já não fez?" Ela está há mais de 10 anos no elenco. Ele, há 18. Em duas décadas, 76 atores já passaram pelo palco de "Trair".

 

"Lembra aquela vez em que você me mostrou a bunda?", continua Pezzuoli. "Fui eu! Fui eu! ", interfere Rosana Penna. "A gente ficou dias preparando aquilo." Ela se refere à cena em que Pezzuoli vai ao fundo do palco para olhar por uma cortina falsa. "Nós estávamos atrás da cortina, nos bastidores. Quando ele olhou, estávamos as quatro [Iara Jamra, Débora Figueiredo, Bruna Gasgon e Rosana Penna] com a bunda de fora virada pra ele." Na platéia, ninguém percebeu. Nem entendeu as gargalhadas que Pezzuoli, roxo, dava ao se afastar da cortina.
 

"Sacanagem aqui é sempre", completa Carlos Mariano, há cinco anos na peça. "Na semana passada, eu coloquei uma foto pornô no meio do livro que a Olímpia [personagem principal, interpretada atualmente por Anastácia Custódio] lê durante a peça. Só pra ver a cara de espanto da Naná [Anastácia]."
 

O tempo passa, a sessão de reestréia está para começar. Mas são tantos anos no palco, fazendo exatamente as mesmas piadas, que o elenco continua o papo. O ator Turíbio Ruiz, 75, é chamado à conversa por Rosana Penna: "Conta aquela de quando você se esqueceu de entrar em cena".
 

"Foi em 92, no [teatro] Maria Della Costa. Estava jogando baralho com o Dênis [Derkian] no camarim. Ele dizia: "É sua vez". E eu entendia que era a minha vez de jogar. Mas era pra entrar no palco."
 

Anastácia Custódio, a Naná, é a única que se concentra um pouco mais. Quase não fala e faz alongamento. Há quatro anos no elenco, ela assumiu o papel principal, a empregada Olímpia, há seis meses. "Só de saber que a Denise [Fraga] vai estar na platéia, fico tensa." Denise interpretou Olímpia por seis anos.
 

Marcos Caruso lembra os números da peça que escreveu em 1979 e que é a que está há mais tempo em cartaz na história do teatro nacional. Tudo gira em torno de Olímpia, doméstica que convence o casal para o qual trabalha de supostas traições que, na verdade, não existem."Passamos de 8.000 apresentações e fomos vistos por mais de 5 milhões." Só ele já viu a peça "umas cem vezes."
 

No teatro Zácaro, onde o espetáculo ficou em cartaz por cinco anos, Caruso teve até que comprar ingressos de um cambista para levar a família porque, na bilheteria, já estavam esgotados. "Custava 30 mil cruzeiros e eu paguei quatro vezes mais." Até o fim de março, o espetáculo fica em cartaz no teatro Sérgio Cardoso. Depois vai para outro espaço, ainda não definido.
Ainda no palco, antes da peça, fazem uma roda e ficam de mãos dadas. "Muita merda pra gente!", diz Caruso. "E mais 20 anos pra quem agüentar."
 

"Zezé! Cadê meu batom, p.q.p!" É Annamaria Dias convocando a camareira, Maria José Nascimento, há 10 anos com o grupo. "Calma, calma", diz Zezé. "Eu faço de tudo: costuro, passo e arrumo roupas nos cabides." Pezzuoli aparece na porta: "Arruma nada! Ela já trocou tudo só pra confundir a gente!". A campainha toca no camarim. Faltam dez minutos para o início do espetáculo. Naná repassa o texto e sobe para a coxia, fazendo o sinal da cruz. "Vou ter uma síncope. Estou mais nervosa que na estréia." Rosana Penna faz uma oração.
 

No camarim masculino, César Pezzuoli reforça o pó compacto. "Amor, merda pra gente", diz, parada na porta, Roberta Barros, ao marido e companheiro de palco, Mario Sérgio Pretini. Os dois se conheceram na peça, há cinco anos. Ele faz o papel do síndico do prédio onde trabalha a empregada Olímpia.
 

O espetáculo começa. Entre uma cena e outra, Annamaria Dias lê o roteiro da novela "Cristal", do SBT, no camarim. "Fui demitida [do SBT], mas gosto de saber o que está acontecendo no meio", diz Annamaria. Em "Trair e Coçar" há dez anos, ela já fez 32 novelas como atriz.
 

"Essa é a meia que a Cláudia Raia usa", diz, e mostra as pernas. "É italiana. Segura tudo e deixa a pele homogênea."
 

Rosana Penna sai do palco e volta à coxia. "Vou ter de fazer xixi", diz. Suely Franco, uma das primeiras atrizes a interpretar Olímpia, "um dia não agüentou e fez xixi atrás do sofá, no palco", conta Pezzuoli.
 

Denise Fraga, Olímpia de 1989 a 1995, também passou por apuros. "Teve uma vez em que copos de uísque caíram. Eu fazia cenas de joelho no lugar em que estavam os cacos. Voltava para a coxia e gritava: "Vassoura e pano!" Mas ninguém me atendia. Até que fui procurar uma vassoura e comecei a varrer, dizendo: "A vida imita a arte". A platéia adorou."
 

Troca de roupas para a cena final: Annamaria Dias e Rosana Penna vestem longos de crepe com bordados. De cueca, Carlos Mariano procura o smoking. "Eu já entrei quase sem saia de tão corrida que é a troca", conta Annamaria, pulando num pé só para vestir o sapato de salto.
 

"Assanhada! Tá safada, hein!" Carlos Mariano grita na coxia depois de levar um beliscão de Rosana Penna. A camareira Zezé ri. E segura o bolo de chocolate com velinhas de 20 anos que será levado ao palco.

@ - bergamo@folhasp.com.br COM AUDREY FURLANETO


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