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A CASA DA LÍNGUA
Abertura de um corredor de 120 m é um dos destaques entre as intervenções realizadas no novo museu
Projeto libera escala monumental de prédio
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O arquiteto Pedro Mendes da
Rocha gosta de contar, em tom de
anedota, um episódio da vida de
Michelangelo (1475-1564) para
sintetizar a operação que ele e seu
pai, Paulo Mendes da Rocha, realizaram no prédio que abriga agora o Museu da Língua Portuguesa.
Ao ver o espanto que a Pietá provocava no público, Michelangelo
tentava minimizar o seu trabalho:
dizia que a escultura estava aprisionada no mármore, que tudo
que ele fez foi libertá-la.
"É claro que ninguém aqui é Michelangelo, mas o que tentamos
fazer foi liberar algumas formas
monumentais que estavam aprisionadas dentro do prédio da
Luz", diz Pedro, 43, autor do projeto no qual o seu pai, Paulo Mendes da Rocha, 77, atuou como
"consultor", segundo ele próprio.
Operação similar, segundo Pedro,
foi feita na Pinacoteca, um dos
principais projetos de Paulo Mendes da Rocha. Com febre e mal-humorado, Paulo diz que os projetos não têm qualquer relação.
A principal das formas monumentais no prédio da Luz é um
corredor de 120 m no segundo andar, no qual foi instalada uma tela
de 110 m, alimentada por imagens
de 33 projetores. Para quem está
habituado a uma cidade emparedada e sem pontos de fuga, é de tirar o fôlego a vertigem de um corredor desse porte.
"Essa tela foi idéia do Paulo", relata Pedro. "O coração do projeto
é essa travessia."
Pela primeira vez
Construído entre 1895 e 1901, a
partir de projeto do engenheiro
inglês Charles Henry Driver, o
prédio da Estação da Luz nunca
teve a sua escala monumental exposta como agora. A razão era o
fim destinado ao edifício. Como
era usado pela administração da
estação, sempre foi dividido por
salas. Os três segmentos que formam os 120 m de comprimento,
cada um com 40 m de extensão,
nunca haviam sido rasgados de
ponta a ponta. Cada um dos três
segmentos era estanque, diz Pedro. A ala leste, voltada para a av.
Tiradentes, a mansarda central e a
ala oeste, próxima à Sala São Paulo, funcionavam de forma autônoma.
Um incêndio em 1946 na ala leste do prédio permitiu uma intervenção "mais radical" nessa área,
segundo Pedro. Uma escada de
metal foi incrustada entre os andares para obedecer as normas de
segurança. Nessa ala foi criado
um espaço para exposições onde
antes existiam "salinhas, lavabinhos, forros de PVC imitando
ipê", como descreve Pedro.
Na mansarda, o último andar
do prédio central com o telhado
em duas águas, uma operação de
subtração resultou em outro espaço em escala monumental. A
retirada de um mezanino criou
uma sala com 14 metros de altura.
Na ala oeste, a intervenção arquitetônica foi mais delicada. Um
trabalho de restauro restituiu o
estado do prédio da estação em
1901. A restauração atingiu ladrilhos hidráulicos, portas de pinho-de-riga vindas da Finlândia e pinturas decorativas nas paredes.
Na extremidade das duas alas
foram instalados quatro elevadores com paredes de vidro, cada
um com capacidade para 30 pessoas. É o encontro de dois dos
principais símbolos da modernidade, para Paulo: do trem, que
permitiu o deslocamento veloz,
com o elevador, que possibilitou a
ocupação vertical das cidades.
O local escolhido para a instalação dos quatro elevadores expõe
um dos pensamentos que norteia
o projeto dos Mendes da Rocha.
Eles estão dentro dos torreões,
um ornamento típico da arquitetura da virada do século 19 para o
20 que ganhou uma função: abriga elevadores. O modernismo, como se sabe, abomina formas sem
função. Outro pensamento de
Paulo pode ser visto nos dois abrigos de aço e vidro do térreo. Eles
são similares a estruturas usadas
na Pinacoteca. O pensamento de
Paulo é sintetizado assim pelo filho: "Não precisa ficar inventando moda. Se funcionou, está
bom". Está ótimo.
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