São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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A CASA DA LÍNGUA

Abertura de um corredor de 120 m é um dos destaques entre as intervenções realizadas no novo museu

Projeto libera escala monumental de prédio

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O arquiteto Pedro Mendes da Rocha gosta de contar, em tom de anedota, um episódio da vida de Michelangelo (1475-1564) para sintetizar a operação que ele e seu pai, Paulo Mendes da Rocha, realizaram no prédio que abriga agora o Museu da Língua Portuguesa. Ao ver o espanto que a Pietá provocava no público, Michelangelo tentava minimizar o seu trabalho: dizia que a escultura estava aprisionada no mármore, que tudo que ele fez foi libertá-la.
"É claro que ninguém aqui é Michelangelo, mas o que tentamos fazer foi liberar algumas formas monumentais que estavam aprisionadas dentro do prédio da Luz", diz Pedro, 43, autor do projeto no qual o seu pai, Paulo Mendes da Rocha, 77, atuou como "consultor", segundo ele próprio. Operação similar, segundo Pedro, foi feita na Pinacoteca, um dos principais projetos de Paulo Mendes da Rocha. Com febre e mal-humorado, Paulo diz que os projetos não têm qualquer relação.
A principal das formas monumentais no prédio da Luz é um corredor de 120 m no segundo andar, no qual foi instalada uma tela de 110 m, alimentada por imagens de 33 projetores. Para quem está habituado a uma cidade emparedada e sem pontos de fuga, é de tirar o fôlego a vertigem de um corredor desse porte.
"Essa tela foi idéia do Paulo", relata Pedro. "O coração do projeto é essa travessia."

Pela primeira vez
Construído entre 1895 e 1901, a partir de projeto do engenheiro inglês Charles Henry Driver, o prédio da Estação da Luz nunca teve a sua escala monumental exposta como agora. A razão era o fim destinado ao edifício. Como era usado pela administração da estação, sempre foi dividido por salas. Os três segmentos que formam os 120 m de comprimento, cada um com 40 m de extensão, nunca haviam sido rasgados de ponta a ponta. Cada um dos três segmentos era estanque, diz Pedro. A ala leste, voltada para a av. Tiradentes, a mansarda central e a ala oeste, próxima à Sala São Paulo, funcionavam de forma autônoma.
Um incêndio em 1946 na ala leste do prédio permitiu uma intervenção "mais radical" nessa área, segundo Pedro. Uma escada de metal foi incrustada entre os andares para obedecer as normas de segurança. Nessa ala foi criado um espaço para exposições onde antes existiam "salinhas, lavabinhos, forros de PVC imitando ipê", como descreve Pedro.
Na mansarda, o último andar do prédio central com o telhado em duas águas, uma operação de subtração resultou em outro espaço em escala monumental. A retirada de um mezanino criou uma sala com 14 metros de altura.
Na ala oeste, a intervenção arquitetônica foi mais delicada. Um trabalho de restauro restituiu o estado do prédio da estação em 1901. A restauração atingiu ladrilhos hidráulicos, portas de pinho-de-riga vindas da Finlândia e pinturas decorativas nas paredes.
Na extremidade das duas alas foram instalados quatro elevadores com paredes de vidro, cada um com capacidade para 30 pessoas. É o encontro de dois dos principais símbolos da modernidade, para Paulo: do trem, que permitiu o deslocamento veloz, com o elevador, que possibilitou a ocupação vertical das cidades.
O local escolhido para a instalação dos quatro elevadores expõe um dos pensamentos que norteia o projeto dos Mendes da Rocha. Eles estão dentro dos torreões, um ornamento típico da arquitetura da virada do século 19 para o 20 que ganhou uma função: abriga elevadores. O modernismo, como se sabe, abomina formas sem função. Outro pensamento de Paulo pode ser visto nos dois abrigos de aço e vidro do térreo. Eles são similares a estruturas usadas na Pinacoteca. O pensamento de Paulo é sintetizado assim pelo filho: "Não precisa ficar inventando moda. Se funcionou, está bom". Está ótimo.


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