São Paulo, sexta-feira, 19 de março de 2010

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CINEMA

Crítica/ "Soul Kitchen"

Filme de restaurante agrada paladar

Inteligente sem ser genial, novo longa de Fatih Akin esboça o papel que a Europa quer para si no cinema globalizado

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Não é de espantar que "Soul Kitchen" tenha recebido um Prêmio Especial do Júri em Veneza. Trata-se do tipo de filme tão necessário quanto raro no cinema europeu: uma comédia acessível, divertida, inteligente (com ou sem aspas, conforme a preferência), capaz de divertir o espectador de fim de semana -a maioria do público- e não ofende a ninguém. É exatamente o que propõe Fatih Akin com seu filme. E é o que ele tem de particular.
Tomemos a França, principal produtor europeu: lá a produção divide-se, grosso modo, entre filmes "difíceis" (portanto, destinados a um público restrito) e comédias para o gosto popular, intragáveis para o "público restrito". O produto médio, no entanto, é raro. Ora, é bem esse espaço que "Soul Kitchen" pretende ocupar. Não lhe faltam elementos para tanto, a começar pelo argumento. Zinos, jovem grego, possui restaurante mais que modesto em Hamburgo, Alemanha, e o leva com as dificuldades e problemas habituais nas pequenas empresas (em particular as de estrangeiros).
Ao rotineiro vêm se acrescentar problemas particulares: seu desejo de ir para a China; a saída provisória da prisão de seu irmão vigarista; as pressões pelo fechamento do estabelecimento (vindas de um falso amigo alemão que deseja comprar o local a preço de banana); o surgimento de super chef disposto a transformar a espelunca num refúgio da alta culinária; um grupo de rock que ensaia por ali; uma garçonete que também é artista etc.

Integração
Já se vê, pela enumeração, que não estaremos diante de um desses filmes europeus em que "não acontece nada", conforme a queixa habitual. O que não falta são coisas acontecendo, com todos os altos e baixos que os heróis possam enfrentar, em todos os fronts: profissional, amoroso, comercial. Tudo isso seria em vão se Akin evitasse a questão europeia por excelência: a necessidade e as dificuldades de integração entre várias culturas.
Alguns elementos são muito presentes: assim como o amigo trapaceiro, a namorada de Zinos é uma jornalista alemã -é para acompanhá-la que ele projeta a viagem à China, onde ela foi ser correspondente. Illias, o irmão de Zinos, é um vigarista convicto: um malandro à brasileira (ele tem, aliás, um quê de Hugo Carvana quando jovem), com um lado desonesto, que o ajuda a sobreviver, e um outro tremendamente simpático.
Esse segundo aspecto da personalidade simpática e sociável de Illias ajuda a fornecer o humor a "Soul Kitchen" e, de certa forma, a fechar o projeto: um filme agradável, não inesquecível, inteligente sem ser genial, comercial sem ser indigno. Breve: um filme médio europeu consumível em qualquer parte do planeta. É mais que um projeto artístico pessoal: parece uma ideia sobre o papel que a Europa pretende para si no cinema globalizado.


SOUL KITCHEN

Diretor: Fatih Akin
Produção: Alemanha/Turquia, 2009
Com: Birol Ünel, Udo Kier e Dorka Gryllus
Onde: Belas Artes, Espaço Unibanco Pompeia e Reserva Cultural
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom




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