São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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TEATRO

Iraniano Massoud Saidpour dirige "As Cadeiras", seu primeiro espetáculo no Brasil, que estréia no CCBB do Rio

Vazio da guerra atualiza Ionesco

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Tendo realizado vários work- shops no Brasil nos últimos cinco anos, o iraniano Massoud Saidpour, 40, estréia hoje seu primeiro espetáculo no país. No CCBB do Rio ele dirige Ricardo Blat, Ana Paz e Cesar Tavares numa versão de "As Cadeiras", de Eugène Ionesco (1912-1994).
Para o encenador, erra quem pensa que a obra do criador do teatro do absurdo envelheceu. "As Cadeiras" foi escrita em 1951, depois da Segunda Guerra, e essa ferida está no texto. Mas é uma ferida que depois se moveu para a Coréia, o Vietnã e o Oriente Médio e agora está no Iraque. A guerra nunca vai desaparecer, assim como não desaparece o vazio de que trata a peça. O homem olha para a galáxia e se sente ínfimo, num vácuo. Essa peça é uma reação ao absurdo da vida", diz.
Saidpour trocou o Irã pelos EUA aos 14 anos. Viveu na Califórnia e hoje trabalha em Cleveland. "Mas minhas referências culturais continuam vindo do Irã", ressalva ele, que planeja visitar seu país em setembro, iniciando uma reaproximação após dez anos de ausência.
Para Saidpour, os atentados de 11 de setembro de 2001 foram uma "dupla dor". "Sofria pelas pessoas que morreram. Mas, quando me sentava num avião, por exemplo, percebia que todos me olhavam, como se eu tivesse feito aquilo. Foi um tempo difícil, mas já suavizou", diz.
Quando critica EUA e Irã, o diretor deixa claro que ataca os governos. "É um paradoxo que o gigante ocidental queira civilizar pessoas através da guerra", diz sobre a ação americana. "Eles podem censurar um filme temporariamente, mas não vários filmes nem o pensamento humano", diz ao comentar o fato de o Ministério da Cultura iraniano ter interrompido as filmagens de "Amnésia", de Mohsen Makhmalbaf.
Saidpour é um discípulo de Jerzy Grotowski (1934-1999), o polonês que pregava um "teatro pobre", baseado na relação ator-espectador. "Grotowski foi meu professor com letra maiúscula. Ele costuma ser chamado de vanguardista, mas nada pode ser mais impreciso. Ele era fiel a [Konstantin] Stanislavski (1863-1938), a quem entendeu profundamente. Nesse sentido, era um tradicionalista", afirma.
A nova "As Cadeiras" tem adaptações. Passada originalmente em Paris, a peça foi para o Rio, com direito a "Valsa de uma Cidade" (Ismael Netto/Antônio Maria) na trilha. E o casal protagonista da história está mais jovem. "A velhice de que trata a peça é a interna, a decadência dos personagens", diz, ressaltando que "As Cadeiras" é uma comédia. "Uma comédia no inferno. As pessoas estão queimando por dentro."


AS CADEIRAS. Onde: CCBB/RJ (r. Primeiro de Março, 66, centro, Rio, tel.: 0/xx/21/3808-2020). Quando: qua./ dom., às 19h. Quanto: R$ 10. Até 11/7.


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