São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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CANNES 2004

Apesar de bem produzido, "Matadores de Velhinha" não convence; festival se mostra político e sem favorito

Sem conteúdo, irmãos Coen decepcionam

Divulgação
Cena de "Matadores de Velhinha", filme dos irmãos Coen com Tom Hanks, que está na competição oficial do Festival de Cannes


SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Muita forma, pouco conteúdo. Uma das críticas mais constantes à obra dos geniais irmãos Coen (oficialmente Ethan, diretor, Joel, roteirista) cai como uma luva de senhora sulista na refilmagem "Matadores de Velhinha", que o Festival de Cannes exibiu ontem, para uma recepção morna.
Está tudo no lugar, a produção é impecável, mas o filme não diz a que veio, em parte por conta da bidimensionalidade de seus personagens, liderados por um esquemático Tom Hanks.
Em primeiro lugar, havia o risco que é refazer um clássico, no caso a comédia britânica homônima de 1955 que trazia Alec Guiness no papel principal do líder de uma quadrilha de assaltantes que se hospeda no porão da casa de uma senhora para planejar e executar seu próximo golpe.
"Não assisti ao filme antes, para não influenciar minha performance, nem depois, por falta de oportunidade", disse Tom Hanks. Já Joel (Ethan ficou nos EUA, se curando de uma pneumonia) falou apenas que os irmãos escolheram tal obra porque gostam "muito" do filme.
Em segundo, a mudança de cenário de Londres para o Mississipi não se justifica, a não ser para poder contar com uma das melhores trilhas sonoras dos últimos tempos, a cargo do mesmo T-Bone Burnett do excelente "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?".

Político e sem favoritos
De resto, Cannes 2004 vem sendo um festival fortemente político e, até agora, sem favoritos. No aspecto político, lidera o documentário "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, um libelo anti-Bush que calou fundo nas platéias, que lhe dedicaram mais de 20 minutos de aplauso.
Aplaudiam ali um norte-americano que tem coragem de dizer certas coisas que a maioria dos seus compatriotas evita falar em voz alta e em público, e por isso mereceu a ovação, mas como cinema é muito pouco.
Vem acompanhado dos manifestos antiglobalização "The Edukators" e "Mondovino", para ficar só na competição oficial, mas também do documentário "Bush's Brain" (baseado no livro de James C. Moore, sobre o conselheiro político Karl Rove), exibido no mercado, e "O Assassinato de Richard Nixon", ótimo longa de estréia de Niels Mueller sobre um americano que em 1973 tentou seqüestrar um avião e jogá-lo na Casa Branca.
"Eu nunca pensei que fosse sentir falta de Richard Nixon", disse Sean Penn, que faz o papel principal do filme. "Michael Moore retrata uma administração ferozmente corrupta, assim como nós retratamos uma administração ferozmente corrupta."
Quanto aos favoritos, no meio para o final do festival, exibidos 13 dos 19 filmes em competição, pode-se dizer que há dois orientais, um europeu e um documentário no páreo. São o thriller kafkaniano "Old Boy", do sul-coreano Park-Chan Wook, o drama familiar "Ninguém Sabe", do japonês Kore-Eda Hirokazu, o italiano "As Conseqüências do Amor", uma espécie de "Amnésia"-spaghetti de Paolo Sorrentino, e o chute na canela dos enólogos "Mondovino", docu-épico de Jonathan Nossiter.
No bloco intermediário estão as duas reverências ao Robert Altman de "Short Cuts", ambas dirigidas por mulheres, ambas sobre filhas problemáticas, que são o argentino "La Niña Santa", de Lucrecia Martel, e o francês "Olhe para Mim", de Agnés Jaoui. Bonitos, líricos, com grandes interpretações e roteiros bem construídos e intricados, mas será que vão sensibilizar um júri presidido pelo "shrek" Quentin Tarantino?
O próprio "Shrek 2", assim como "Matadores de Velhinha", não mereceria estar na competição; o coreano "A Mulher É o Futuro do Homem" não merecia estar em lugar nenhum; "A Vida É um Milagre" é um Emir Kusturica menor, se formos pensar em "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" e "Underground", seus filmes anteriormente premiados; e "Doença Tropical" e "The Edukators" valem por serem cinematografias inédita (caso da Tailândia) ou há muito ausente de Cannes (Alemanha).
Mas Walter Salles ("Diários de Motocicleta") e Wong Kar-Wai ("2046") vêm aí...


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