São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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Morcheeba

free-lance para a Folha

Um álbum para chapados. Muito mais pop e acessível que "Mezzanine", "Big Calm", do trio londrino Morcheeba, traz luz e muita, muita calma, mas está ainda longe de ser iluminado.
Há flertes com o trip hop, mas eles não se consideram parte da turma de Bristol (Portishead, Tricky, ex-Massive Attack etc), como disse à Folha o letrista e arranjador Paul Ross, de Milwaukee (EUA), onde estava em turnê.
"Eu não ligo para o que falam de nosso som. A única coisa que temos em comum é a idade, entre 25 e 30 anos. A música eletrônica é, em geral, inútil", disse Paul numa das raras respostas polissilábicas.
A banda também fez algumas produções entre o primeiro álbum, "Who Can You Trust?" (95) e este disco. Morcheeba produziu algumas faixas de "Feelings", de David Byrne. "Ele é muito interessante e engraçado", disse Paul.
Em "Big Calm", a voz de Skye Edwards é limpa e suave, o que, segundo Paul, "deu mais calma à banda". E é verdade, é excelente para ouvir enquanto o sono não chega.
O guitarrista Ross Godfrey, irmão de Paul, completa o trio, que mistura reggae, dub, hip hop e, menos presente, blues.
Às vezes, esses gêneros aparecem individualmente nas músicas, como em "Bullet Proof" (homônima de uma do Rage Against the Machine), em que os Beastie Boys são lembrados, com scratches do DJ First Rate. Suavemente, diga-se.
"Friction" é um raggamuffin em lenta rotação, quase parando, com certo groove, sopros e intervenções vocais típicas a cargo de Spikey T.
O blues, aí temos o dedo de Ross, que é fã do gênero, está em "Diggin' a Watery Grave", quase um interlúdio, com guitarra calma (sempre calma), remetendo às imagens de tufos de capim rolando em cidades desertas de faroestes norte-americanos. Quase um clichê.
Não há dor, pestilência, perda e obscurantismo comuns ao som de outros nomes do trip hop presentes no do Morcheeba. Ao contrário, é alegre, uma alegria artificial, mas não forçada.
Mas soa tão malevolente, que é despropositado chamá-lo de "para cima".
A malevolência é honestamente relacionada com o nome da banda. Morcheeba é a justaposição das gírias "mor" (abreviação de middle of the road, meio do caminho em inglês, "como Phil Collins e Dire Straits, nem bom nem ruim", disse Paul) e "cheeba", um dos nomes para maconha na Inglaterra.
"Falamos sobre drogas e álcool nas nossas músicas, mas sem nenhum julgamento." Ah, sim, Marcelo D2, do Planet Hemp, alega o mesmo.
"Part of the Process", primeiro single e a mais radiofônica do disco, utiliza riffs muito parecidos com os de "Diggin' a Watery Grave". Não devem ter percebido a casualidade...
Cordas também ajudam a manter a malacia presente no disco, como "Fear and Love" e "Over & Over", com violinos, violoncelos e e violas.
Da capa do disco -uma mulher esparramada na cadeira, fitando o infinito numa sala de estar art déco- às músicas suaves, passando pelo nome da banda, o Morcheeba é bem coerente.
Está no "meio do caminho" e fala, calmamente, de e para usuários casuais de maconha, para quem o mundo gira em "slow motion". (MN)
Disco: Big Calm Banda: Morcheeba Lançamento: WEA Quanto: R$ 18, em média


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