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"NO BOSQUE DA NOITE"
Com livro difícil, Barnes cativou Eliot
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
"No Bosque da Noite" não é
um livro qualquer. Recebeu a chancela de uma apresentação de T.S. Eliot, sem a qual a obra
não teria sido publicada nos Estados Unidos, na década de 1930.
Eliot não prefaciava livros com
freqüência: aquela foi sua terceira
vez e, previa ele, a última. Para o
poeta, era uma "impertinência
apresentar" livros que valiam a
pena, como o romance de Djuna
Barnes, o qual ele "admirava
imensamente". A estima cresceu
com as seguidas releituras, às
quais Eliot foi obrigado como editor londrino da obra. Mas não foi
só a admiração que aumentou: o
entendimento também.
O romance mistura gêneros, vale-se de recursos poéticos, usa o
fluxo de consciência. Ou seja, não
é fácil. Eliot diz que lhe foi necessário "algum tempo para atingir
uma apreciação de seu significado
como um todo". E mais: é um "romance tão bom que apenas sensibilidades educadas em poesia poderão apreciá-lo integralmente".
A despeito de sua alardeada
complexidade, a obra interessa a
leitores menos sofisticados, como
nós. Melhor é aceitarmos o testemunho de outro poeta, Marianne
Moore: "Ler Djuna Barnes é como
ler uma língua estrangeira, a qual
podemos entender". O ponto é
"podemos entender"!
A história gira em torno de três
personagens que se apaixonam
por uma quarta, a jovem americana Robin Vote: o falso barão Felix
Volkbein, a "patronesse" das artes Nora Flood e a viúva negra
Jenny Petherbridge.
Robin é voluptuosa, volúvel,
melancólica, indomável e indecifrável. Barnes baseou-a em sua
antiga namorada, com quem
rompera antes de escrever o romance (leia ao lado). Mas, se Robin é o centro das atenções amorosas, há uma personagem essencial, que está à margem da intriga.
Trata-se de Matthew O'Connor,
médico sem diploma que se dedica a operações obscuras e, depois
descobrimos, tem alma de soprano lírica e gosta de sair travestido
pelos mictórios parisienses.
Na figura do médico travesti
convergem dois eixos principais
do romance, o mascaramento e o
desejo de possuir quer o outro,
quer o desejo do outro. O'Connor
não deseja ninguém, pois já possui o outro em si. Esse outro, porém, só pode aflorar à noite, nos
antros de Paris. Reino ambíguo
da dissimulação, do amor e da
morte, a noite é retratada em longa digressão, situada no meio do
romance, do médico à Nora.
Como não consegue compreender a noite, Nora torna-se vítima
dela. Não podemos ignorar nossa
sombra: é uma lição do romance.
No Bosque da Noite
Autora: Djuna Barnes
Tradutor: Caetano Waldrigues Galindo
Editora: Códex
Quanto: R$ 30 (200 págs.)
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