São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"NO BOSQUE DA NOITE"

Com livro difícil, Barnes cativou Eliot

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

"No Bosque da Noite" não é um livro qualquer. Recebeu a chancela de uma apresentação de T.S. Eliot, sem a qual a obra não teria sido publicada nos Estados Unidos, na década de 1930.
Eliot não prefaciava livros com freqüência: aquela foi sua terceira vez e, previa ele, a última. Para o poeta, era uma "impertinência apresentar" livros que valiam a pena, como o romance de Djuna Barnes, o qual ele "admirava imensamente". A estima cresceu com as seguidas releituras, às quais Eliot foi obrigado como editor londrino da obra. Mas não foi só a admiração que aumentou: o entendimento também.
O romance mistura gêneros, vale-se de recursos poéticos, usa o fluxo de consciência. Ou seja, não é fácil. Eliot diz que lhe foi necessário "algum tempo para atingir uma apreciação de seu significado como um todo". E mais: é um "romance tão bom que apenas sensibilidades educadas em poesia poderão apreciá-lo integralmente".
A despeito de sua alardeada complexidade, a obra interessa a leitores menos sofisticados, como nós. Melhor é aceitarmos o testemunho de outro poeta, Marianne Moore: "Ler Djuna Barnes é como ler uma língua estrangeira, a qual podemos entender". O ponto é "podemos entender"!
A história gira em torno de três personagens que se apaixonam por uma quarta, a jovem americana Robin Vote: o falso barão Felix Volkbein, a "patronesse" das artes Nora Flood e a viúva negra Jenny Petherbridge.
Robin é voluptuosa, volúvel, melancólica, indomável e indecifrável. Barnes baseou-a em sua antiga namorada, com quem rompera antes de escrever o romance (leia ao lado). Mas, se Robin é o centro das atenções amorosas, há uma personagem essencial, que está à margem da intriga. Trata-se de Matthew O'Connor, médico sem diploma que se dedica a operações obscuras e, depois descobrimos, tem alma de soprano lírica e gosta de sair travestido pelos mictórios parisienses.
Na figura do médico travesti convergem dois eixos principais do romance, o mascaramento e o desejo de possuir quer o outro, quer o desejo do outro. O'Connor não deseja ninguém, pois já possui o outro em si. Esse outro, porém, só pode aflorar à noite, nos antros de Paris. Reino ambíguo da dissimulação, do amor e da morte, a noite é retratada em longa digressão, situada no meio do romance, do médico à Nora.
Como não consegue compreender a noite, Nora torna-se vítima dela. Não podemos ignorar nossa sombra: é uma lição do romance.


No Bosque da Noite
    
Autora: Djuna Barnes
Tradutor: Caetano Waldrigues Galindo
Editora: Códex
Quanto: R$ 30 (200 págs.)



Texto Anterior: "Não passo um dia sem ouvir ou pensar sobre Bob Dylan"
Próximo Texto: Escritora fugia dos holofotes
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.