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CRÍTICA
Petra reverencia e reinventa Shakespeare
SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Com o slogan bastante abrangente, "Américas disseminadas por todos os lados e dentro de
cada um", Rio Preto propõe este
ano a redescoberta da América.
Não enquanto uma identidade
pré-moldada ideologicamente,
mas enquanto um processo constante de sínteses improváveis.
Único representante internacional da América Latina no festival,
o experiente Teatro Petra, 19, da
Colômbia, se incumbiu de dar
mostras da existência deste continente-estado de espírito. Com
"Mosca", adaptação de "Tito Andrônico", estipula alguns parâmetros com grande maestria.
O grande desafio deste texto do
princípio da carreira de Shakespeare é acertar seu tom. Grotescamente sanguinário, levando ao
inverossímil uma trama de assassinatos, mutilações, estupros e
perfídias diversas do jogo do poder, é impossível disfarçar uma
atmosfera de paródia. Logo, as
tentações para a direção são ora
desautorizar tudo pelo deboche,
ora forçar uma alegoria política
unívoca, que pode ofuscar o que
há de anarquista na barroca imaginação shakespeareana.
O primeiro mérito desta montagem, portanto, é a adaptação do
diretor-ator-dramaturgista Fabio
Rubiano, que, mantendo as linhas
gerais da trama, reatualiza o texto
no que tem de melhor: no lugar de
uma retórica reverente e oca, uma
vertiginosa sucessão de frases de
impacto, de anacronismos precisos, com níveis de linguagem que
vão do lírico ao pornográfico.
Irreverente sem perder a elegância, essa síntese de opostos é
perfeitamente traduzida em imagens pelo figurino de uma exuberância kitsch, reciclagem do lixo
cultural, e pelos adereços tão caprichosamente detalhados que os
atores não hesitam em passá-los
ao público, para serem examinados em pleno espetáculo.
Em um cenário por contraste
despojado, são os atores, porém,
que assumem a responsabilidade
pela peça. Contracenando com o
diretor de igual para igual, não há
ator aqui que não compartilhe da
criação do espetáculo com inteligência e precisão de marcas, tornando clara a alegoria para quem
quiser vê-la, sem diminuir o prazer das soluções cênicas geniais.
Assim, quando luvas trocam de
mãos para sugerirem dedos mutilados, ou um hilário avestruz entra em cena, a falsa ingenuidade
estética dos altares barrocos latino-americanos se une a mais instigante modernidade: Appolinaire, Buñuel, Gerald Thomas. Com
galhardia americana, com a reverência que se deve aos clássicos,
isto é, a de aceitar o desafio de
reinventá-los, o Teatro Petra reinjeta juventude em Shakespeare.
Avaliação:
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