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CRÍTICA
Filme serve de mea-culpa do Ocidente
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há filmes que redimem um
tempo. Este "Hotel Ruanda"
é um deles. Apesar da trama parecida e da comparação fácil, ele é o
anti-"A Lista de Schindler" em
mais de um sentido, o primeiro
deles sendo o de revelar a maneira
com que o Ocidente eurocêntrico
enxerga o resto do mundo, o que
não era a função do filme de Steven Spielberg, já que fazia parte
deste mesmo mundo.
Assim, é sintomático que o presidente George W. Bush tenha assistido ao filme, enquanto seu antecessor, Bill Clinton, não tenha
feito nada para evitar o massacre
real. No Cine Morumbi ou na Casa Branca, protegidos pela lente
do cinema, saímos da exibição dizendo "que horror, que horror...".
Pois essa calamidade aconteceu
há pouco mais de uma década,
não durante as guerras napoleônicas. O problema foi o CEP dela.
Enquanto a hegemonia européia-anglo-saxônica se preocupava
com seus Bálcãs, uma etnia de um
mesmo país africano massacrava
em "silêncio" 1 milhão de pessoas
de outra a golpes de machete.
Foi a imprensa, aliás, que começou a chamar a atenção para o caso: a vida de um tutsi vale menos
do que a de um europeu? Vale,
aparentemente. Eis que vem a redenção, pelas mãos de um diretor
irlandês. É "Hotel Ruanda". Em
seu segundo longa, ele tem a intenção certa, pelo motivo errado.
Pinça um Schindler (o excelente
Don Cheadle, de "Traffic") que
será palatável ao público que freqüenta as salas de filmes independentes para contar a história real.
O hutu Paul Rusesabagina, ainda
hoje vivo e morando na Europa, é
casado com a tutsi Tatiana (Sophie Okonedo, ambos indicados
ao último Oscar, assim como o
roteiro, todos perdedores) e cuida
de um hotel de elite em Kigali.
Quando a coisa aperta, subornando oficiais hutus, consegue esconder várias pessoas da etnia massacrada e salvar boa parte daquelas.
"Hotel Ruanda" não é obra-prima, mas é melhor do que nada.
Que milhares de pessoas descubram o conflito nesses 121 minutos do que lendo os impressionantes relatos de Philip Gourevitch em "Gostaríamos de Informá-lo que Amanhã Seremos
Mortos com Nossas Famílias" (da
editora Companhia das Letras),
fazer o quê?
É só uma pena que, para que essa parte da história recente do
mundo seja conhecida, tenha de
ter sido "validada" por um ator de
Hollywood, uma chance no Oscar
e uma campanha publicitária que
teria salvo todos os refugiados do
hotel original e muitos outros.
Esperemos agora o longa de
Darfur, no Sudão, em dez anos.
Hotel Ruanda
Hotel Rwanda
Direção: Terry George
Produção: EUA/Itália/África do Sul, 2004
Com: Don Cheadle, Desmond Dube
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Cine Morumbi, Villa-Lobos e circuito
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