São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2010

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CRÍTICA DVD

"Leon Morin" é bela jornada em tempos de mudança da igreja

Com Jean-Paul Belmondo fazendo padre, filme de 1961 antevê momento em que catolicismo buscou se rever

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Eis aí um filme inesperado. Pois não é o diretor francês Jean-Pierre Melville um mestre do policial? E não é Jean-Paul Belmondo o galã sensual por excelência?
Em "Leon Morin, o Padre" isso parece se inverter. Em 1961, no auge do seu charme, Belmondo é que faz o padre.
Não deixa de ser homem atraente. Impossível que não se dêem conta as garotas da paróquia, como Barny (Emmanuelle Riva).
Ateia convicta, decide abrir as hostilidades. Vai ao confessionário e diz algo como: "Religião é o ópio do povo". Por sorte (ou azar) quem está lá é Morin.
É este o início da bela jornada espiritual (e cinematográfica). "Leon Morin" se dá no cruzamento de duas crises espirituais, durante a Segunda Guerra. Mais precisamente: na França ocupada.
Um império de iniquidade. Ali a jovem Barny procura auxílio espiritual (não à velha maneira, mas com uma palavra, uma conversa, livros), sem nem mesmo saber o que procura.
Mas o tempo em que é feito o filme também tem algo a nos dizer: 1961, vésperas do Concílio Vaticano 2º, quando o catolicismo decide se rever de alto a baixo a fim de se pôr de acordo com o diapasão do mundo em transformação.
Datam daí certas mudanças formais com significado amplo, como o fim das missas em latim e o hábito de o padre rezar a missa de frente para os fiéis, não de costas.
Digamos que Morin é uma espécie de precursor dessas práticas. Antes, não importava que a missa fosse feita em língua que ninguém falava: o respeito que infundia é que contava. A partir do Vaticano 2º tornou-se desejável que o fiel a compreendesse.
Afinal, desde o pós-guerra, cada vez menos gente parecia disposta a temer o Diabo e o inferno. O medo, velho aliado da catolicidade, não mais dominava as mentes.

CATOLICISMO
É esse o universo: o mundo em transformação, onde a vida presente torna-se muito preciosa (na guerra) para ser sacrificada pelo futuro incerto (a vida eterna).
A religião, na visão do padre, deve pensar menos na eternidade; menos em Deus, mais no homem.
Bem verdade que ele é procurado pelas garotas. Mas é guerra: os homens escasseiam. As garotas se apaixonam por ele, não há surpresa nisso. Como ele responderá? O filme responderá.
Igualmente relevante: assim como distribui livros gentilmente, assim como escuta, conversa, discute e constrói sua fé sobre as relações humanas, Morin não deixa de se preocupar com os destinos da Resistência.
O que move o catolicismo de "Leon Morin, o Padre" é a hipótese de responder à acusação de que a igreja "é o ópio do povo". Uma resposta urgente em 1961, que pouco preocupa o clero hoje. Que importa? O filme é belíssimo.


LEON MORIN, O PADRE

LANÇAMENTO Lume Filmes
QUANTO R$ 44, em média
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo



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