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TELEVISÃO/ARTIGO
Há algo de insuficiente na imagem grave do referendo
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A campanha para o referendo sobre o controle de armas
vem surpreendendo. O "não", ou,
é sempre bom lembrar, o apoio ao
comércio de armas, cresce. Apesar do apelo razoável de inúmeras
lideranças profissionais, artistas,
articulistas e políticos.
Depois de meses de drama político no Congresso Nacional, a
consulta popular sobre a proibição da venda de armas, também
uma iniciativa do Parlamento, adquire um sentido diverso daquele
imaginado por seus idealizadores.
Técnicos no assunto, em tom
muito razoável, fornecem dados
que justificam o "sim". Uma policial militar em particular me sensibilizou. Artistas que costumam
colaborar também emprestam
seu tempo e sua imagem para a
causa justa.
Talvez diante do desenrolar da
crise política, mas também de
acordo com tendências internacionais, o apelo incisivo dos
apoiadores do "não", nas propagandas gratuitas no rádio e na televisão, fala de maneira contundente a um mundo onde o comércio de armas é central -na ficção
e na realidade.
Depois de mais um capítulo no
desgaste das instituições públicas,
quem acredita que o Estado será
capaz de dar conta de sua tarefa
mais básica que é a segurança?
Indústria privada
No documentário "Violência
S/A", de Eduardo Benaim, Jorge
Saad Jafet e Newton Cannito, que
a TV Cultura oportunamente exibe hoje à noite, é possível tomar
contato com uma variedade de tipos cuja vida se desenvolve em
torno da segurança privada.
Diferente da maioria dos documentários que tratam do tema,
"Violência S/A" aborda vítimas
da violência urbana -em geral
brancos de classe média alta- e
suas diversas estratégias de defesa. Simpáticos profissionais ligados ao comércio de carros blindados, sistemas de circuito interno
de vídeo, militantes do uso privado de armas, uma sensual trabalhadora da segurança privada indicam que vivemos em um mundo que há muito legitimou o comércio da segurança. O legendário coronel Erasmo Dias tem mais
uma chance de dar o seu recado.
A ironia com que a voz do narrador em "off" comenta o universo retratado no filme procura sugerir que essas técnicas só contribuem para acirrar a violência. No filme como na campanha há algo
de insuficiente nessa voz grave.
Para além da conjuntura brasileira, a campanha do "não" sensibiliza os que reconhecem uma sociedade em que um galã como
Brad Pitt pode interpretar um herói matador privado profissional,
em "Sr. e Sra. Smith". Aliás, a personagem que aparece na penumbra em "Violência S/A" bem poderia ter se inspirado na mulher,
também matadora, do personagem de Pitt.
Há um certo clima hobbesiano
no ar. A incapacidade que as instituições públicas revelam em exercer sua autoridade na defesa da vida dos cidadãos legitima a busca
de soluções bélicas individuais.
Ao menos para quem pode pagar
o aparato.
Não é à toa que também, ao
contrário do que se esperava, os
adeptos da liberdade de comercializar armas, de acordo com a
pesquisa do Ibope, são em larga
medida pessoas de alto grau de escolaridade e nível de renda.
Esther Hamburguer é antropóloga e professora da ECA-USP
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