São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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"CAPITÃO SKY E O MUNDO DE AMANHÃ"

Filme com Jude Law e Gwyneth Paltrow traz cenários criados por computadores

Fantasia saudosista necessita de atualidade

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

São bem contraditórios os sinais que "Capitão Sky e o Mundo de Amanhã" emite. Estamos num mundo pretérito, mas reorganizado segundo um uso maximalista da computação gráfica. Estamos em um filme de animação, no entanto há atores para animá-lo. Estamos rodeados de clichês de velhas histórias em quadrinhos (e do cinema também), mas eles nos remetem a algo de inusitado.
Esses sinais tornam a experiência de assistir a "Capitão Sky" um tanto incômoda, já que o espectador ora é remetido a um passado já vivido (ou não, tanto faz), ora se sente transportado a um mundo efetivamente de amanhã, onde os filmes provavelmente prescindirão não só de lugares e cenários verdadeiros -como este-, mas também de atores. Há um excesso de realidade em que somos chamados a descrer. Há um excesso de técnica em que somos chamados a crer.
Em termos de ficção, estamos no fim dos anos 30. O imaginário apocalíptico corre solto. Nova York é invadida por robôs gigantes que parecem saídos dos gibis do Tio Patinhas. O capitão Sky entra em ação. Enfrentará montanhas de obstáculos antes de chegar ao gênio maluco que, do Nepal, orquestra a insânia.
Ele tem uma namorada, claro, que é jornalista, claro. Intrépida jornalista com rosto de Veronica Lake, sensual e fálica como a Rosalind Russell de "Jejum de Amor", com um chapéu de Humphrey Bogart.
Sky e a namorada, Polly, vivem num mundo que lembra "Metrópolis". É todo o imaginário futurista concebido no começo do século 20 e que nos anos 30 parecia se voltar ameaçadoramente contra os homens.
Quem melhor do que o Zepellin para expressar esse sentimento? É como o filme começa: com o Zepellin chegando a uma Nova York encarvoada, parece até que fotografada por Chick Fowles. Sabemos o que aconteceu com o Zepellin. Desastre, desgraça. E lá está ele, pairando sobre Nova York, sinistro, à espera de um incêndio.
Essa imagem dá o tom de um mundo em que o sentido vem do progresso técnico. Mas há uma distância no tempo. Estamos em 2004. Sabemos que "o mundo de amanhã", isto é, a utopia técnica, deu no que deu: em Hitler e no dr. Totenkopf (o vilão do filme).
No entanto, estamos em 2004 e de volta às utopias cientificistas: a um mundo em que a ciência se arvora a explicar tudo (como no fim do século 19) e, com a força do critério de autoridade, vende como verdades insofismáveis o que não passa de ideologia.
É essa atualidade que faz falta, no fim das contas, a "Capitão Sky". Na ausência dela, temos diante de nós um simpático, porém anódino, folhetim saudosista. Mas quem quiser, no lugar de "saudosista", ler a palavra regressivo não estará longe da verdade.


Capitão Sky e o Mundo de Amanhã
Sky Capitain and the World of Tomorrow
  
Direção: Kerry Conran
Produção: EUA/Inglaterra/México, 2004
Com: Jude Law, Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Butantã, Tamboré e circuito



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