São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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"SPARTAN"

Mamet faz festa com política dos EUA

Divulgação
Val Kilmer (à frente) em cena do filme "Spartan", dirigido por David Mamet, que estréia hoje


CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O espartano do título é Val Kilmer, agente formado no Exército norte-americano. Ele é chamado quando a filha de um membro do governo desaparece. As possibilidades de paradeiro mostram-se bizarras.
É essencial notar que "Spartan" é uma festa de fantasias. Mamet sempre teve crença nos tecidos da artificialidade. Em pessoas que não existem fisicamente ou que se fazem passar por algo. É uma tendência reveladora, sobretudo quando vemos que "Spartan" abre com imagens militares de mata e camuflagem. Um filme de guerra, portanto. Só que logo entramos na zona do thriller de seqüestro, que terá seus protocolos remixados com os do filme de espionagem e, depois, com os do "cinema de conspiração".
E há Kilmer, que se traveste de bandido carniceiro para se unir a um preso; que se disfarça de funcionário de um aeroporto para operar uma espécie de contrabando. Se Mamet usa diferentes registros de gênero como máscaras para seu filme, Kilmer faz o mesmo, se constrói e se reconstrói como imagem. Só que as grandes fantasias -e a construção "fantasiada" de Kilmer e dos registros existe para evidenciá-las- são as do carnaval político americano. Uma folia de aparências e atrocidades que visa a proteção do poder nas mãos de um círculo.
Assim, a Esparta americana não estaria bem na indumentária de guerra, mas nos nobres castelos políticos e em seus subterrâneos, nas gravatas. Se a guerra é uma instituição hedionda, ela modelou Kilmer e outros soldados para, ironicamente, desnudar esses EUA -manipuladores de sua própria história- em seus figurinos, em sua maquiagem democrática.
Mamet, travestido de militar, maneja a câmera como se esta fosse um fuzil: ele é o próprio Kilmer, no exercício de uma estética do "treinamento bélico". Só que o diretor conduz um fluxo narrativo e visual tão lúgubre quanto o enredo de desaparecimento e nos coloca em um mar de pistas falsas e desencontros. Há uma usina de manipulação de informações, e não seria errado entender que Mamet, para bem e para mal, imita também o governo americano.
Curiosamente, "Spartan" se sustenta em uma chave dramática de "fim dos tempos", que inflama personagens e denuncia, no discurso sobre a política caseira, certo caráter de filme de momento. O que não mina totalmente o esforço de Mamet como alfaiate.


Spartan
Spartan

  
Direção: David Mamet
Produção: EUA/Alemanha, 2004
Com: Val Kilmer, William H. Macy, Derek Luke
Quando: a partir de hoje nos cines Central Plaza, Cine Morumbi, Espaço Unibanco e circuito



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