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Cartas para irmãs revelam mais de Clarice Lispector
Organizado por Teresa Montero, "Minhas Queridas" cobre correspondência de 1940 a 1957
Textos trazem descrições de contos, do processo de criação da escritora e do contexto político e histórico em que seus livros surgiram
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Em uma carta de 28 de dezembro de 1946, enviada de
Berna, na Suíça, para a irmã Tania Kaufmann, a escritora Clarice Lispector (1920-1977) descreve uma surpresa feita pela
empregada, Rosa, no Natal. O
trecho, reproduzido na próxima página, é,
segundo a biógrafa Teresa
Montero, autora de "Eu Sou
uma Pergunta" (Rocco, 1999),
um exemplo da inconfundível
"maneira de olhar as coisas do
dia-a-dia" da escritora.
"Por mais que seja uma carta
íntima, para uma irmã, percebe-se aí o toque de Clarice. É
uma carta belíssima", avalia
Montero.
A carta enviada de Berna é
uma das 120 compiladas em
"Minhas Queridas", livro recém-lançado pela editora Rocco, e que encerra as homenagens aos 30 anos da morte da
autora, no dia 10 de dezembro
de 1977, um mês antes do lançamento de seu livro mais conhecido, "A Hora da Estrela".
Inéditas, escritas entre 1940
e 1957, para as irmãs Elisa Lispector e Tania Kaufmann, que
então moravam no Rio de Janeiro, elas foram selecionadas
ao longo de cinco meses pela
biógrafa.
A correspondência teve início quando Clarice Lispector
ainda vivia no Rio de Janeiro,
solteira, e não havia publicado
seu primeiro livro, o romance
"Perto do Coração Selvagem",
de 1943. Neste mesmo ano ela
se casou com o diplomata
Maury Gurgel Valente e começou, no ano seguinte, cerca de
duas décadas de separação das
irmãs, vivendo em Belém, Lisboa, Roma, Florença, Paris etc.
Segundo Montero, pela primeira vez é possível acompanhar, de maneira contínua, o
dia-a-dia de Clarice.
"Sabemos das suas dificuldades para publicar estando longe
do Brasil, contando com a ajuda
das irmãs. E também de suas
idas a concertos, peças de teatro, museus, e ainda filmes que
viu e escritores que a inspiraram, como Tolstói, Katherine
Mansfield, Simone de Beauvoir
etc.", conta Montero.
Contexto histórico
Para a biógrafa, as cartas representam também um interessante registro dos contextos
histórico e político em que a
obra de Clarice foi gestada. Há
descrições de como era viver
em Nápoles, na Itália, em plena
Segunda Guerra, com racionamento de alimentos e dificuldade de transporte. E também
do trabalho voluntário de Clarice com soldados feridos durante os conflitos.
"Há ainda comentários sobre
seu processo de criação e contos que acabara de escrever",
diz Montero.
Um dos contos escritos por
Clarice é citado numa carta enviada em 8 de maio de 1956, de
Washington. A escritora adianta às irmãs as primeiras reações
e sobre o que fala "O Búfalo",
que só viria a ser publicado em
1960 no livro "Laços de Família": "É a história de uma mulher que vai ao Jardim Zoológico para aprender com os bichos
a odiar. Mas é primavera e os
animais estão mansos, mesmo
o leão lambe a testa da leoa [...]
Depois é que vem o búfalo. Mas
estou vendo que estou matando a história, contando-a desse
jeito. Um dia vocês verão".
MINHAS QUERIDAS
Organização: Teresa Montero
Editora: Rocco
Quanto: R$ 39 (312 págs.)
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