São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

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Cartas para irmãs revelam mais de Clarice Lispector

Organizado por Teresa Montero, "Minhas Queridas" cobre correspondência de 1940 a 1957

Textos trazem descrições de contos, do processo de criação da escritora e do contexto político e histórico em que seus livros surgiram

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma carta de 28 de dezembro de 1946, enviada de Berna, na Suíça, para a irmã Tania Kaufmann, a escritora Clarice Lispector (1920-1977) descreve uma surpresa feita pela empregada, Rosa, no Natal. O trecho, reproduzido na próxima página, é, segundo a biógrafa Teresa Montero, autora de "Eu Sou uma Pergunta" (Rocco, 1999), um exemplo da inconfundível "maneira de olhar as coisas do dia-a-dia" da escritora.
"Por mais que seja uma carta íntima, para uma irmã, percebe-se aí o toque de Clarice. É uma carta belíssima", avalia Montero.
A carta enviada de Berna é uma das 120 compiladas em "Minhas Queridas", livro recém-lançado pela editora Rocco, e que encerra as homenagens aos 30 anos da morte da autora, no dia 10 de dezembro de 1977, um mês antes do lançamento de seu livro mais conhecido, "A Hora da Estrela". Inéditas, escritas entre 1940 e 1957, para as irmãs Elisa Lispector e Tania Kaufmann, que então moravam no Rio de Janeiro, elas foram selecionadas ao longo de cinco meses pela biógrafa.
A correspondência teve início quando Clarice Lispector ainda vivia no Rio de Janeiro, solteira, e não havia publicado seu primeiro livro, o romance "Perto do Coração Selvagem", de 1943. Neste mesmo ano ela se casou com o diplomata Maury Gurgel Valente e começou, no ano seguinte, cerca de duas décadas de separação das irmãs, vivendo em Belém, Lisboa, Roma, Florença, Paris etc.
Segundo Montero, pela primeira vez é possível acompanhar, de maneira contínua, o dia-a-dia de Clarice.
"Sabemos das suas dificuldades para publicar estando longe do Brasil, contando com a ajuda das irmãs. E também de suas idas a concertos, peças de teatro, museus, e ainda filmes que viu e escritores que a inspiraram, como Tolstói, Katherine Mansfield, Simone de Beauvoir etc.", conta Montero.

Contexto histórico
Para a biógrafa, as cartas representam também um interessante registro dos contextos histórico e político em que a obra de Clarice foi gestada. Há descrições de como era viver em Nápoles, na Itália, em plena Segunda Guerra, com racionamento de alimentos e dificuldade de transporte. E também do trabalho voluntário de Clarice com soldados feridos durante os conflitos. "Há ainda comentários sobre seu processo de criação e contos que acabara de escrever", diz Montero.
Um dos contos escritos por Clarice é citado numa carta enviada em 8 de maio de 1956, de Washington. A escritora adianta às irmãs as primeiras reações e sobre o que fala "O Búfalo", que só viria a ser publicado em 1960 no livro "Laços de Família": "É a história de uma mulher que vai ao Jardim Zoológico para aprender com os bichos a odiar. Mas é primavera e os animais estão mansos, mesmo o leão lambe a testa da leoa [...]
Depois é que vem o búfalo. Mas estou vendo que estou matando a história, contando-a desse jeito. Um dia vocês verão".


MINHAS QUERIDAS
Organização:
Teresa Montero
Editora: Rocco
Quanto: R$ 39 (312 págs.)


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