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Comentário/série/"24 Horas"
De onde tiraram a idéia de que Jack Bauer glorifica a tortura?
BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA
Com exceção de George
W. Bush e dos poucos
admiradores que ainda
lhe restam, ninguém discute
que Guantánamo e os episódios
de tortura ocorridos na prisão
de Abu Ghraib tiraram dos
EUA o privilégio de se considerar uma liderança moral neste
mundão de meu Deus. O que eu
gostaria de entender é de onde
a imprensa tapuia extraiu a noção de que a prática da tortura e
a detenção ilegal são glorificadas em um seriado de TV.
No domingo passado, o excelente Fernando Bonassi escreveu nesta Ilustrada um texto
fictício centrado em cima de
Jack Bauer, o personagem
principal de "24 Horas", em
que deduzia que Bauer só pode
ser republicano. Como será
que Bonassi chegou a essa conclusão? Que eu saiba, ao longo
dos seis anos da série, o maior
aliado de Jack Bauer sempre
foi o presidente David Palmer,
um negro, democrata, com pinta de Barack Obama.
E, por acaso, democratas,
quando estão na presidência,
são menos belicosos do que republicanos? Basta lembrar dos
ataques realizados na gestão
Clinton contra uma fábrica de
produtos farmacêuticos no Sudão para saber que não.
Não é de hoje que meus colegas (muitos dos quais admitem
nunca ter assistido a nenhum
ano completo da série) insistem em dizer que "24 Horas"
defende as ações do governo
americano na chamada "guerra
contra o terror".
Pois, na minha modestíssima
opinião, é justamente o contrário. A série coloca em pauta
uma questão da hora: posto
que hoje existem armas químicas, terroristas suicidas e que
armas nucleares podem ter saído da antiga União Soviética e
caído nas mãos de criminosos,
é legítimo que um país que esteja sob ataque use métodos
que contrariam a Convenção
de Genebra para se defender?
Jack Bauer é um cruzamento
entre o capitão Nascimento, de
"Tropa de Elite", e o James
Bond de Daniel Craig. À medida que a série avança, ele vai se
tornando uma figura trágica e
tem de arcar com as conseqüências dos métodos que
usou contra inimigos de Estado. No último ano da série, esses inimigos eram todos empresários de ultradireita.
Na sexta temporada, descobrimos que os árabes detidos
em um campo de prisioneiros
são todos inocentes e que a prisão deles foi ilegal. Estranho isso numa série que promove os
ideais de Bush, não?
Diziam também que "24 Horas" incitava jovens soldados
americanos no Iraque a imitar
os métodos de Jack Bauer. Ora,
que bobagem! O chamado "atirador de Washington", Lee
Boyd Malvo, que participou do
assassinato de dez pessoas em
2002, não afirmou que estava
vivendo dentro de "Matrix"?
Esse pessoal que fala mal de
"24 Horas" sem assistir tem a
mesma atitude da Marilena
Chauí quando ela nega a existência do mensalão. Jack Bauer
é republicano na mesma medida em que o PT é forçosamente
um partido de gente impoluta.
E a realidade que se exploda.
Um conselho aos meus colegas "marilenistas": se querem
mesmo pegar no pé de Bauer,
que tal falar do ator que o interpreta, Kiefer Sutherland, preso
por dirigir embriagado pela
quarta vez, enquanto o comercial em que ele dirige um Citroën continua a ser veiculado
como se nada fosse?
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