São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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Comentário/série/"24 Horas"

De onde tiraram a idéia de que Jack Bauer glorifica a tortura?

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Com exceção de George W. Bush e dos poucos admiradores que ainda lhe restam, ninguém discute que Guantánamo e os episódios de tortura ocorridos na prisão de Abu Ghraib tiraram dos EUA o privilégio de se considerar uma liderança moral neste mundão de meu Deus. O que eu gostaria de entender é de onde a imprensa tapuia extraiu a noção de que a prática da tortura e a detenção ilegal são glorificadas em um seriado de TV.
No domingo passado, o excelente Fernando Bonassi escreveu nesta Ilustrada um texto fictício centrado em cima de Jack Bauer, o personagem principal de "24 Horas", em que deduzia que Bauer só pode ser republicano. Como será que Bonassi chegou a essa conclusão? Que eu saiba, ao longo dos seis anos da série, o maior aliado de Jack Bauer sempre foi o presidente David Palmer, um negro, democrata, com pinta de Barack Obama.
E, por acaso, democratas, quando estão na presidência, são menos belicosos do que republicanos? Basta lembrar dos ataques realizados na gestão Clinton contra uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão para saber que não.
Não é de hoje que meus colegas (muitos dos quais admitem nunca ter assistido a nenhum ano completo da série) insistem em dizer que "24 Horas" defende as ações do governo americano na chamada "guerra contra o terror".
Pois, na minha modestíssima opinião, é justamente o contrário. A série coloca em pauta uma questão da hora: posto que hoje existem armas químicas, terroristas suicidas e que armas nucleares podem ter saído da antiga União Soviética e caído nas mãos de criminosos, é legítimo que um país que esteja sob ataque use métodos que contrariam a Convenção de Genebra para se defender?
Jack Bauer é um cruzamento entre o capitão Nascimento, de "Tropa de Elite", e o James Bond de Daniel Craig. À medida que a série avança, ele vai se tornando uma figura trágica e tem de arcar com as conseqüências dos métodos que usou contra inimigos de Estado. No último ano da série, esses inimigos eram todos empresários de ultradireita.
Na sexta temporada, descobrimos que os árabes detidos em um campo de prisioneiros são todos inocentes e que a prisão deles foi ilegal. Estranho isso numa série que promove os ideais de Bush, não?
Diziam também que "24 Horas" incitava jovens soldados americanos no Iraque a imitar os métodos de Jack Bauer. Ora, que bobagem! O chamado "atirador de Washington", Lee Boyd Malvo, que participou do assassinato de dez pessoas em 2002, não afirmou que estava vivendo dentro de "Matrix"?
Esse pessoal que fala mal de "24 Horas" sem assistir tem a mesma atitude da Marilena Chauí quando ela nega a existência do mensalão. Jack Bauer é republicano na mesma medida em que o PT é forçosamente um partido de gente impoluta. E a realidade que se exploda.
Um conselho aos meus colegas "marilenistas": se querem mesmo pegar no pé de Bauer, que tal falar do ator que o interpreta, Kiefer Sutherland, preso por dirigir embriagado pela quarta vez, enquanto o comercial em que ele dirige um Citroën continua a ser veiculado como se nada fosse?


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