São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

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NINA HORTA

Experimentadeira de comida


Uma dona de bufê é como a Amy Winehouse. Mesmo que tenha um vozeirão, é uma frágil sereia


O QUE comem as pessoas atualmente num bufê? Ora, comem o que todos comem. Mas não é bem verdade. Bufê passa por modinhas, por fases, por manias.
Primeiro o que acontece? O cliente telefona ou passa um e-mail. Vai fazer uma festa em tal dia, um jantar, um almoço, um chá, um casamento, uma festa de negócios, um barmitzvah ou uma primeira comunhão. Diz o dia, o lugar... mas não o que quer comer.
E como vamos adivinhar? É preciso uma conversinha boa, de onde você é, como soube de nós, já comeu de nossa comida, onde? Qual seu restaurante preferido? Seus pais são lituanos? Ah... O noivo é catalão? Ah...
De vez em quando, o cliente fica muito novidadeiro. "Meu marido não come "penosas", meu tio tem alergia a frutos do mar." "Alergia a frutos do mar" é um eufemismo para muitas complicações. Se o camarão estiver bem baratinho, o cliente cura imediatamente. Ou não. Uma noiva "under stress" passou a festa no hospital por causa de casquinha de siri.
E esses bichos que comemos geralmente são assados ou fritos, cozidos ou grelhados. Não tem muita saída, não adianta querer fazer algo jamais visto. Agora, o modo de picar, de apresentar, esse é que varia aos milhares. O tempero também. Mas as carnes são essas e os acompanhamentos aqueles que se veem nas feiras livres de São Paulo. Legumes e verduras. Grãos, os mais variados, mas não passam de uns seis também.
Há que se pensar que, num bufê, as pessoas nem sempre estão bem sentadas, o que puxa o menu para coisas cortadas em pequenos pedaços ou que se cortem facilmente só com o garfo. Neste caso, a vitela é a carne preferida por ceder ao garfo com a maior facilidade. E massas, que todo mundo adora.
Nem todo mundo que gosta de cozinhar vai achar graça na vida de um bufê. O que se precisa fazer é arranjar um bom cozinheiro. Vital. Importantíssimo.
E a dona do bufê que cozinhava e comia tão bem? O que faz? Conversa com clientes ao telefone, visita suas casas para ver as instalações, o estilo do lugar, enfim, conhecer a pessoa e também o seu mais íntimo desejo. Lê muito, faz fichas das receitas que acha interessante, vai a todos os simpósios de cozinha que aparecem e viaja pelo Brasil ou pelo mundo. (Agora a moda é o Brasil.)
Inevitavelmente, vira uma experimentadeira de comida. E por que não cozinha? Por causa do volume, da quantidade de comida a fazer. O cardápio pode e deve ser de quem conversou com o cliente, mas não é possível fazer as compras nem cozinhar. E eis você, que passou anos aprendendo do mais mínimo ingrediente ao mais estranho, impossibilitada de cozinhá-los. Supervisionar pode. Fazer as duas coisas não dá.
E soltar um jantar para 200, 500, mil pessoas ao mesmo tempo acho que se assemelha a um concerto de rock, a um show, com começo, meio e fim, quando os cozinheiros emergem do excesso de adrenalina, exaustos, cegos... e felizes.
Uma dona de bufê é como a Amy Winehouse. Só "en petit comité". Mesmo que tenha um vozeirão, é uma frágil sereia.

ninahorta@uol.com.br


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