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HISTÓRIA
Para escritor, o fato de não ter tido atuação política lhe deu liberdade para criticar o golpe e os militares
"Minha voz era a de um alienado", diz Cony
DA REDAÇÃO
"A Hard Day's Night" (a noite
de um dia difícil), dos Beatles, foi
a última música que Carlos Heitor
Cony escutou, no carro que o levava para operar uma apendicite,
num dia de março de 1964. Quando pôde caminhar de novo, saiu
para um passeio com Carlos
Drummond de Andrade. O precavido amigo mineiro não se esqueceu de levar um guarda-chuva
-poderia haver mau tempo...
Era 1º de abril de 1964, o presidente João Goulart tinha caído, o
Exército levantava uma barricada
na avenida Atlântica e a população ainda não sabia o que estava
acontecendo. Cony voltou para
casa e escreveu "Da Salvação da
Pátria", a primeira de uma série
de crônicas que atacariam os militares e a ditadura que se instalava
no país. O texto abre também "O
Ato e o Fato", relançado agora.
Organizado por Ênio Silveira, o
livro saiu naquele mesmo ano. Foi
reeditado em 1984, pela Civilização Brasileira. Agora a Objetiva
relança-o com prefácio de Luis
Fernando Verissimo.
"Não me envolvi com as reedições. A crônica é como um fósforo que se acende e se apaga, o que
eu tinha a dizer pertence àquele
momento", disse Cony à Folha.
Por não ter tido atuação política
nem manifestado simpatia por
homens ou partidos, o autor nunca foi rotulado como alguém de
esquerda. Era visto como um alienado que só se interessava por sua
obra literária. Isso acabou favorecendo-o, pois o liberou para continuar escrevendo quando os intelectuais vistos então como "subversivos" eram presos ou desapareciam do cenário.
"As crônicas têm em comum só
o fato de que nunca dei ao evento
político o direito de me modificar.
Minha voz era a de um alienado.
A crônica que escrevi depois do
passeio com Drummond, se fosse
escrita por ele, cuja opinião política era conhecida, teria tido uma
outra repercussão", diz.
Nos textos dessa histórica coletânea, Cony refuta o termo "revolução", mas também não poupa
Jango nem a esquerda. Em junho,
quando Juscelino Kubitschek é
cassado pelo regime, diz: "Sou pela manutenção dos direitos políticos do sr. Juscelino, para ter o prazer de não votar nele". De Carlos
Lacerda, ainda, dizia que era inteligente, mas que "teve um estalo e
ficou burro" e, do general Castello
Branco, recém-empossado presidente, que dera "à nação um espetáculo triste: o de sua pequenez".
(SYLVIA COLOMBO)
O ATO E O FATO. Autor: Carlos Heitor
Cony. Editora: Objetiva. Quanto: R$ 28,90
(196 págs.).
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