São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HISTÓRIA

Para escritor, o fato de não ter tido atuação política lhe deu liberdade para criticar o golpe e os militares

"Minha voz era a de um alienado", diz Cony

DA REDAÇÃO

"A Hard Day's Night" (a noite de um dia difícil), dos Beatles, foi a última música que Carlos Heitor Cony escutou, no carro que o levava para operar uma apendicite, num dia de março de 1964. Quando pôde caminhar de novo, saiu para um passeio com Carlos Drummond de Andrade. O precavido amigo mineiro não se esqueceu de levar um guarda-chuva -poderia haver mau tempo...
Era 1º de abril de 1964, o presidente João Goulart tinha caído, o Exército levantava uma barricada na avenida Atlântica e a população ainda não sabia o que estava acontecendo. Cony voltou para casa e escreveu "Da Salvação da Pátria", a primeira de uma série de crônicas que atacariam os militares e a ditadura que se instalava no país. O texto abre também "O Ato e o Fato", relançado agora.
Organizado por Ênio Silveira, o livro saiu naquele mesmo ano. Foi reeditado em 1984, pela Civilização Brasileira. Agora a Objetiva relança-o com prefácio de Luis Fernando Verissimo.
"Não me envolvi com as reedições. A crônica é como um fósforo que se acende e se apaga, o que eu tinha a dizer pertence àquele momento", disse Cony à Folha.
Por não ter tido atuação política nem manifestado simpatia por homens ou partidos, o autor nunca foi rotulado como alguém de esquerda. Era visto como um alienado que só se interessava por sua obra literária. Isso acabou favorecendo-o, pois o liberou para continuar escrevendo quando os intelectuais vistos então como "subversivos" eram presos ou desapareciam do cenário.
"As crônicas têm em comum só o fato de que nunca dei ao evento político o direito de me modificar. Minha voz era a de um alienado. A crônica que escrevi depois do passeio com Drummond, se fosse escrita por ele, cuja opinião política era conhecida, teria tido uma outra repercussão", diz.
Nos textos dessa histórica coletânea, Cony refuta o termo "revolução", mas também não poupa Jango nem a esquerda. Em junho, quando Juscelino Kubitschek é cassado pelo regime, diz: "Sou pela manutenção dos direitos políticos do sr. Juscelino, para ter o prazer de não votar nele". De Carlos Lacerda, ainda, dizia que era inteligente, mas que "teve um estalo e ficou burro" e, do general Castello Branco, recém-empossado presidente, que dera "à nação um espetáculo triste: o de sua pequenez".
(SYLVIA COLOMBO)


O ATO E O FATO. Autor: Carlos Heitor Cony. Editora: Objetiva. Quanto: R$ 28,90 (196 págs.).


Texto Anterior: 1964 - 40 anos de golpe - 2004: Aconteceu naquela noite
Próximo Texto: Golpe inspira coleção de relatos e ficção
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.