São Paulo, terça-feira, 20 de março de 2007

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Rio Branco expõe seu lado P&B e discute tecnologia

"Dislecsias, Epileptronic", na galeria Millan, traz cerca de 50 imagens em preto-e-branco feitas desde o fim dos anos 60

Artista também apresenta instalação com sucata de eletrônicos, numa tentativa de reflexão sobre o homem contemporâneo

EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pinceladas vigorosas mesclam o preto e o branco até a forma se abstrair em vertigens de cinzas na pintura "Auto-Retrato em Dia Bom" (1992). Essa imagem-ícone serve de síntese conceitual e poética da mostra "Dislecsias, Epileptronic", que o artista Miguel Rio Branco inaugura hoje, às 20h, na galeria Millan, em São Paulo.
Para surpresa geral, Rio Branco, aclamado mundo afora pela forma expressiva e original com que trabalha a cor na fotografia, revisitou seu arquivo de negativos e resolveu expor só trabalhos em preto-e-branco.
"Dislecsias" toma todo o primeiro andar da galeria, com cerca de 50 imagens realizadas desde o final dos anos 60 até recentemente. Todas são originalmente em P&B, mas quatro delas apresentam leves pinceladas de cores. O nome da mostra remete às palavras gregas "dys" (pobre) e "lexis" (linguagem), utilizadas para descrever a dificuldade que determinadas pessoas possuem de compreender o que se lê (dislexia).
Transferindo para o mundo das imagens, a mostra se revela um desafio insolúvel para quem tentar percebê-la como uma narrativa linear e formal.

Sentidos
"Dislecsias" é um labirinto de pretos, brancos e cinzas, permeado de tempos e espaços distintos. O espectador conseguirá experienciar em profundidade a transcendência das obras arquitetadas na construção nada óbvia da mostra, na medida em que conseguir obliterar o clamor da razão em nome de uma investigação de ordem sensorial e não-linear.
"Para aqueles que só conhecem o meu trabalho em cores, essa construção também foi uma maneira de colocar imagens, muitas inéditas, em musicalidade monocromática", diz o artista. De fato, a luz rebaixada e muitas vezes lúgubre que envolve as fotografias coloridas de Rio Branco ressoa na sua pouco conhecida obra em preto-e-branco.
Um dos melhores exemplos é a belíssima fotografia "O Ébrio" (1983), na qual os tons de preto e cinza escuro fazem contraponto aos poucos pontos de brilho. O conteúdo manifesto da imagem -um homem carregando uma garrafa de bebida no bolso do paletó- se amplifica pela inserção de um conteúdo latente -o olhar que atribui à cena uma atmosfera lúdica à base de tons fortes.
No andar de cima da galeria, Rio Branco exibe a instalação "Epileptronic", feita com sucatas tecnológicas. A luz tênue que emerge do chão confere um clima quase religioso. Obra mutante, ora remete a um oratório, ora a imagem que os satélites fazem das grandes metrópoles, ora a uma cidade atingida por um bombardeio.
Suspensos sobre esse cemitério tecnológico restam dois tubos televisivos, nos quais peixes nadam em exíguos aquários virtuais. A epilepsia, distúrbio da consciência gerada por perturbações do sistema nervoso, serve de metáfora sobre o homem contemporâneo.
O ritmo frenético das invenções tecnológicas não acompanha, nem de longe, o pensamento de como essas ferramentas deveriam ajudar o homem a se compreender melhor e a viver de forma mais harmônica em sociedade. É a assunção da razão numa sociedade que se ressente de menos lógica e mais humanismo.


MIGUEL RIO BRANCO - DISLECSIAS, EPILEPTRONIC
Quando:
abertura hoje, às 20h; de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 15h (até 21/4)
Onde: galeria Millan (r. Fradique Coutinho, 1.360, tel. 0/xx/11/3031-6007)
Quanto: entrada franca


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